19/12/2024
O presépio é um dos símbolos mais antigos e emblemáticos do Natal, unindo fé, cultura e história. Segundo o Doutor em História e professor João Carlos Corso, sua origem remonta ao nascimento de Jesus, mas a simbologia do cenário dialoga com as realidades contemporâneas, abordando pobreza, exclusão e migração no mundo moderno. "Qual seria essa manjedoura nos dias de hoje?", questiona o professor
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O presépio é um dos símbolos mais icônicos do Natal, representando não apenas a tradição cristã, mas também um elemento cultural de grande relevância histórica, associado à religiosidade popular. Para explorar os significados dos presépios ao longo dos tempos, o Doutor em História e Professor do Departamento de História da Unicentro, Campus de Irati, João Carlos Corso, traz uma análise aprofundada sobre o tema.
Segundo o professor, "a tradição dos presépios remonta ao período medieval. Na verdade, o primeiro presépio é o próprio nascimento de Jesus, ou seja, é o próprio fato. O que, na verdade, a gente tem poucos relatos e pouca cronologia já clara sobre quando foi." Ele explica que há algumas dúvidas sobre a data do nascimento de Jesus. "Alguns autores falam que foi em março, aí depois vem essa ideia de dezembro, para fechar um ciclo de um ano, que é começar um ano novo com um calendário litúrgico novo", detalha.
O surgimento dos primeiros presépios está associado aos monges beneditinos, explica Corso. "Os monges beneditinos já tinham o presépio nos mosteiros, mas esses presépios ficavam nos mosteiros e eram apenas para culto e devoção dos próprios monges. Eles não eram abertos ao público," afirma. A inovação que transformou o presépio em uma tradição amplamente popular aconteceu com São Francisco de Assis, quando ele criou o primeiro presépio aberto à população. "São Francisco de Assis, em 1223, pede a autorização do Papa, e ele vai fazer esse presépio numa cidade chamada Grécio, pequena cidade que fica próxima da cidade de Assis, na Itália", descreve.
Essa recriação foi inspirada no cenário de Belém, como uma forma de ilustrar a cena do nascimento de Jesus. "O que se destaca muito na ideia de presépio que vem de São Francisco de Assis e que permanece até hoje é a tentativa de teatralizar ou ilustrar o nascimento de Jesus por meio de um cenário montado", explica.
Simbologia
Corso enfatiza a simbologia presente no cenário do nascimento, principalmente com a menção ao contexto histórico de pobreza no local de nascimento de Jesus. "Esse local é um local de extrema pobreza, numa manjedoura, ou seja, numa estrebaria, um local próprio para os animais." Segundo ele, esse elemento tem uma forte mensagem simbólica, refletindo a ideia de Deus vindo ao mundo em uma situação de vulnerabilidade. “Ou seja, inclusive os próprios judeus, quando imaginavam a vinda de um Messias, ou imaginavam uma figura de um rei, uma figura de alguém poderoso. E esse Deus não vem dessa forma”, acrescenta.
Essa narrativa, conforme o professor, traz uma reflexão importante sobre a sociedade. "Inclusive Francisco está trazendo isso também, de um Deus que está se encarnando como um humano, mas num cenário de pobreza, onde ninguém esperava isso." Ele também conecta essa mensagem à ideia da migração e da fuga, comparando a realidade do nascimento de Jesus a muitos cenários contemporâneos: "É interessante que a gente possa refletir essa realidade de hoje, que é muito grande, de muitas pessoas no mundo inteiro, pessoas que têm que fugir, por algum motivo, fugir do seu país, fugir da sua cidade, por conta da fome, por conta da guerra", compara.
O Presépio no calendário litúrgico e na cultura popular
Os presépios estão diretamente ligados ao calendário litúrgico. Segundo Corso, "quando o calendário religioso é construído, se cria a ideia de que todo ano tem o início de um calendário e o final de um calendário. O início do calendário se dá com o Advento, que é quatro semanas antes do Natal, começa essa preparação, e aí tem todo o processo." Assim, o presépio passou a fazer parte desse ciclo de celebrações religiosas e a representar os elementos essenciais do nascimento, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Os elementos do presépio também carregam significados importantes, como os anjos, os reis magos e os pastores. Eles estão associados a personagens simples e humildes, reforçando a ideia central da mensagem natalina. "Os presépios se tornam um meio de celebrar a festa do Natal, que é considerada não um calendário de sacrifício, mas um calendário litúrgico de alegria," explica o professor.
Corso destaca que durante o período colonial no Brasil, os presépios e suas celebrações ganharam uma mistura de elementos culturais europeus e indígenas, criando festas populares como a "Festa dos Reis Magos," que envolviam danças e práticas culturais típicas do período. "Havia a congada, havia a festa de reis que se fazia. Tudo isso tem uma relação direta com esse presépio," afirma Corso.
Da tradição religiosa a símbolo de consumo
O professor também analisa as mudanças na forma como os presépios passaram a ser produzidos e incorporados às casas modernas. "Algumas décadas atrás, poucas pessoas tinham presépio em casa. E, quando tinham, era todo um custo para conseguir um presépio," explica. Ele afirma que no passado, era comum que as famílias fabricassem seus próprios presépios artesanalmente. No entanto, a industrialização transformou essa tradição.
"Hoje você tem indústrias que fazem realmente os presépios. Presépios grandes, pequenos, presépios em vidro, em porcelana, em madeira, em plástico, de mais variadas formas," afirma Corso. Com a produção em larga escala, os presépios se tornaram produtos acessíveis, mas também símbolos de status social. "Quem tem um presépio mais bonito é porque tem mais dinheiro. Ou aquelas casas todas enfeitadas com um presépio na frente, em figuras grandes, toda iluminada. Então, isso vai dar a ideia também de um poder, um poder econômico que está por trás", avalia.
Novas tradições
O professor diz que tem observado em Irati uma nova tradição está se formando, combinando encenação e cultura popular: o presépio vivo. "Aqui em Irati já virou quase que uma tradição, nos últimos anos, uma encenação com a família de Belém, que vai lá em Belém e vai fazer o nascimento. E depois passa uma espécie de procissão na cidade com um burrinho, uma menina encenando com Maria, com uma criança no colo, um José", relata.
Com isso, o conceito do presépio vivo traz uma nova roupagem para a tradicional representação, misturando elementos teatrais com práticas culturais. "Essa recriação se torna cultural e, mesmo com alterações, ela permanece," afirma o professor.
Onde seria a “Belém” nos dias de hoje?
Corso aborda também uma reflexão profunda sobre os significados contemporâneos do nascimento de Jesus e suas possíveis conexões com o cenário atual. Segundo ele, "se o nascimento fosse hoje, onde seria essa Belém? O que seria colocado no lugar da manjedoura, desse local de uma estrebaria? Qual seria o local hoje?" Ele explica que a representação do presépio carrega simbolismos importantes e não é por acaso.
O professor propôs que, se pensarmos nos dias atuais, provavelmente Jesus poderia nascer em locais onde pessoas vivem em situações de extrema miséria. "Talvez na rua, para os moradores de rua. Talvez numa realidade das periferias, nas grandes favelas, ou até mesmo em uma realidade rural, onde muitas vezes há mínimas condições para viver", avalia.
Ele enfatiza a conexão dessa reflexão com o cenário global, como as crianças que nascem em circunstâncias vulneráveis ou em meio a conflitos e guerras. "Qual seria essa manjedoura nos dias de hoje?", conclui o professor.
Lenon Diego Gauron