20/05/2025
O combate ao abuso sexual contra crianças e adolescentes é o tema do Maio Laranja que, todos os anos propõe a discussão sobre o tema e estratégias de prevenção da violência em todo o Brasil. Em Irati, na última terça-feira (13), a Câmara Municipal aprovou o projeto de lei que instituiu a Semana Municipal de Prevenção e Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, proposta pela vereadora, Silvana Teresinha Rzepka. O objetivo é a conscientização das famílias, em especial, das crianças e dos adolescentes.
“O maior fator para a impunidade dos crimes de violência sexual é o silêncio. Por isso, é necessária a conscientização das famílias e, em especial, das crianças e dos adolescentes, para que sejam alertados para denunciar os comportamentos criminosos e possam romper com as barreiras impostas pela vergonha e pelo medo. Ações nas escolas, campanhas, palestras e outros eventos devem ser empreendidos através de ações governamentais e de toda a sociedade civil”, defendeu a vereadora Silvana.
Outra ação expressiva realizada em Irati, foi o evento de apresentação da Rede de Proteção à Infância e Adolescência, promovido pela Secretaria Municipal de Assistência Social, na quinta-feira (15). O evento lotou o plenário da Câmara Municipal e reuniu as secretarias municipais, todos os equipamentos da área da assistência social, as instituições de ensino, as igrejas, as associações e outras entidades. “É um grande chamamento ao público, para que a sociedade toda participe, se integre, e possa contribuir para fazer frente à violência contra a criança e o adolescente em Irati”, explicou Maria Helena Orreda, secretária de Assistência Social de Irati.
Ela conta que atualmente existe uma rede de proteção onde todos os tipos de violência são contemplados, violência contra a mulher, o idoso, a criança. Com a reestruturação, a proposta é criar uma rede exclusiva para cuidar dos direitos da criança e do adolescente. “Nós estamos abrindo essa rede grande e deixando uma rede exclusiva para a criança e adolescente, para que possa ser dado ênfase em todos os casos que envolvem violência e também ênfase no trabalho para a prevenção da violência contra crianças e adolescentes”, afirma a secretária.
Os direitos infantojuvenis são amparadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é a Lei Federal nº 8.069/1990.
Violação dos direitos das crianças
Dentre os casos de violação dos diretos das crianças e adolescentes registrados em Irati e atendidos pelo Conselho Tutelar, a negligência familiar e a violência sexual têm o maior número de ocorrências. Entre 2020 e 2025 foram atendidos 3.361 casos de negligência e 328 casos de violência sexual em Irati.
As situações envolvendo a falta de frequência escolar lideram as negligências envolvendo crianças e adolescentes. E tem aumentado as notificações de crianças não vacinadas no município.
Além da negligência familiar e a violência sexual, também integram a lista dos direitos infanto-juvenis violados, as violências física e psicológica, as negligências em saúde e educação, a discriminação e o trabalho infantil.
Esses números fazem parte do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (SIPIA) e dos controles internos do Conselho Tutelar e foram apresentados na quinta-feira (15), na Câmara de Irati, pelo conselheiro tutelar Thiago Gorte.
No total, entre 2020 e 2025, foram 4.455 violações de diretos de crianças e adolescentes atendidos pelo Conselho Tutelar de Irati.
Violência Sexual
Dos 328 registros de casos de abuso sexual em Irati nos últimos quatro anos e meio, 85% foram contra meninas e 15% é contra meninos. Em relação à faixa etária atingida por este crime, 25,5% aconteceu contra crianças de 0 à 06 anos (1ª Infância); 22,5% contra crianças de 7 à 11 anos; e
52% contra adolescentes de 12 à 17 anos.
Prevenção
De acordo com a secretária de Assistência Social de Irati, Maria Helena Orreda, a prevenção às situações de violência contra crianças e adolescentes são prioridade da gestão. Por isso, segundo ela, houve a criação da rede de proteção exclusiva para crianças e adolescentes durante o Maio Laranja e diversas ações serão realizadas durante o ano.
“Daqui até o final do ano, todos os meses, praticamente todas as semanas, teremos alguma coisa acontecendo com diversos parceiros que são apoiadores para chamar a atenção da sociedade para a prevenção da violência e para que, realmente, a criança e o adolescente possam ser prioridade absoluta no nosso município. Que possamos todos juntos, de forma unânime, voltar os olhos para a criança e para o adolescente como prioridade absoluta, não medindo esforços, para que a prevenção realmente se faça e que possamos, então, nessa batalha, nessa luta contra a violência, diminuir os casos de violência e, quem sabe, estarmos, daqui a um tempo, numa situação onde possamos comemorar a diminuição dos dados estatísticos com relação à violência contra a criança”, enfatiza Maria Helena.
O papel da escola
Como grande parte dos registros de violência contra crianças ocorrem dentro do próprio convívio familiar, através de atos praticados por pais, mães, tios, irmãos, primos, padrastos, madrastas, dentre outros familiares da vítima, a escola desempenha um papel fundamental na observação dos sinais de violência e na denúncia.
A secretária municipal de Educação de Irati Elicéia Halatiki Szereda comenta que há parceria com as secretarias de Assistência Social e de Saúde, além de treinamentos dos professores sobre o tema.
“Nós temos feito as formações desde o começo do ano, foram feitas várias reuniões lá na Secretaria de Educação para que a gente esteja fazendo essa parceria constante e, principalmente, estando alerta lá na escola, que é um lugar onde a gente vivencia diariamente situações e pode perceber certos indícios. Então, toda a rede [municipal de ensino] está sendo orientada nesse sentido, para estar amparando essas crianças, observando e sempre que perceberem algo, que possa vir auxiliar essa criança, estar buscando os órgãos competentes para fazer os encaminhamentos dessas crianças”, comenta Elicéia.
Diálogo, observação e denúncia
Durante o Maio Laranja, a Polícia Civil do Paraná (PCPR) reforça a importância da atenção, do diálogo e da denúncia como formas de proteção a meninos e meninas contra a violência e o abuso sexual.
Segundo o delegado Rodrigo Rederde, pais, professores e profissionais da saúde devem observar com atenção mudanças no comportamento. Queda no rendimento escolar, isolamento, agressividade, medo sem motivo aparente, retorno a comportamentos infantis (como urinar na cama) ou até mesmo um interesse precoce por temas ligados à sexualidade podem indicar que algo está errado.
No caso de adolescentes, o ambiente virtual também requer atenção redobrada. Jogos online, redes sociais e aplicativos de mensagens podem ser usados por agressores para praticar violência psicológica ou sexual. “É essencial que os pais conheçam e acompanhem o uso dessas plataformas”, orienta o delegado.
A identificação de possíveis abusos, no entanto, exige sensibilidade e cuidado. É comum que familiares, ao perceberem algo estranho, tentem agir por conta própria. Iniciar uma investigação particular ou abordar diretamente um suspeito pode atrapalhar o trabalho da polícia e comprometer provas. “Temos casos em que pais, ao tentarem conversar com o agressor ou acessar conversas online, dificultam o andamento da investigação. O correto é sempre procurar as autoridades competentes”, reforça o delegado.
Aumento da violência no Paraná e no Brasil
O Hospital Pequeno Príncipe, referência no atendimento infantojuvenil em situações de violência, realizou um levantamento que revela uma realidade alarmante: nos últimos dez anos, o número de atendimentos praticamente dobrou, acompanhando a tendência de crescimento registrada em todo o país.
Entre 2014 e 2024, os atendimentos saltaram de 378 para 720 casos anuais. No total, mais de dez mil crianças e adolescentes, de 0 a 17 anos, passaram por avaliação médica na instituição com suspeita de violência nas últimas duas décadas.
Segundo os dados, a maioria das agressões ocorre no âmbito doméstico. Em 2024, 72% dos casos atendidos no Hospital Pequeno Príncipe foram classificados como violência intrafamiliar – agressões cometidas por membros da própria família, como pais, padrastos e irmãos, ou por pessoas próximas, como cuidadores. A violência sexual foi o tipo mais frequente, respondendo por 58% dos atendimentos. A maior parte dos agressores identificados era do sexo masculino (67%), e as meninas representaram 71% das vítimas.
Primeira Infância: o grupo mais vulnerável
Em 2024, o Hospital Pequeno Príncipe atendeu 474 crianças de até 6 anos, das quais 309 – 65% – foram acolhidas por suspeita de violência sexual. A maioria das vítimas era menina, com casos graves envolvendo bebês com apenas 4 meses.
Especialistas apontam que a Primeira Infância (0 a 6 anos) é um período de alta vulnerabilidade. Crianças pequenas são particularmente expostas à violência devido à sua imaturidade cognitiva e emocional, dependência total de adultos para cuidados e proteção, e dificuldade de verbalizar situações de abuso. A combinação desses fatores torna essa fase crítica, em que agressões podem ocorrer de forma silenciosa e devastadora.
Estudos de neurodesenvolvimento indicam que as experiências nos primeiros anos de vida moldam a arquitetura do cérebro. A exposição precoce à violência é considerada um estresse tóxico, que pode afetar o funcionamento neurológico e aumentar o risco de problemas futuros, como transtornos de saúde mental, dificuldades de aprendizagem e doenças crônicas.
Organizações como o UNICEF, a OMS e o Center on the Developing Child, da Universidade de Harvard, reforçam que a proteção da Primeira Infância é essencial para promover sociedades mais saudáveis e reduzir desigualdades.
Diante da suspeita de crimes contra crianças e adolescentes, como denunciar?
Ao suspeitar de qualquer forma de violência, o primeiro passo é registrar um boletim de ocorrência. No Paraná, isso pode ser feito em qualquer delegacia. Em cidades maiores, os casos são encaminhados aos Núcleos de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), nos quais as equipes especializadas assumem a investigação.
Em municípios menores, as delegacias locais estão preparadas para atuar nesses casos. A denúncia pode ser feita anonimamente pelo 181, do Disque-Denúncia, ou pelo 197, da PCPR, garantindo o sigilo e a segurança do denunciante.
Uma vez feito o registro, a criança ou adolescente passa por uma escuta especializada, conduzida por psicólogos treinados para acolher sem causar revitimização. Esse momento é essencial para dar início à investigação formal, que seguirá com a coleta de provas, depoimentos de pessoas próximas e análise de informações digitais, quando necessário.
Letícia Torres