12/05/2025
Em média, 140 bebês nascem na Santa Casa de Irati todos os meses. A maioria deles com tempo gestacional adequado e peso normal, então permanecem poucos dias no hospital e seguem para suas casas com as mães, como planejado. Mas isso não acontece sempre. Há aqueles que nascem prematuros e precisam de cuidados especiais na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal. São bebês como o Bernardo, que está há 28 dias recebendo atendimento da equipe multidisciplinar do hospital e atenção integral da mãe Katlen dos Santos.
Com 33 semanas e quatro dias de gestação, Katlen entrou em trabalho de parto e precisou passar por uma cesariana de emergência. Após a cirurgia, não poder ver o filho a deixou muito angustiada. “Então, quando eu entrei no quarto, cadê o neném? Aí meu marido veio e falou, ele está lá [na UTI], está lutando. Ele tentou me acalmar, mas ele estava mais nervoso que eu. E daí não passavam aquelas horas para me levantar e ir lá de uma vez ver o bebê”, relembra. A espera foi um momento de muito sofrimento para a mãe. “Quando fala UTI, o que a gente pensa? Vai morrer o filho da gente”, relata.
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Quando passou o efeito da anestesia e ela pôde ir ao encontro de Bernardo, novamente a sensação foi muito desconfortável ao ver pela primeira vez o filho ligado aos tubos na UTI Neonatal. Na conversa com o médico, a mãe não ouviu o que gostaria. Katlen conta que o médico disse: “Ele veio de 33 semanas. Nós temos que pensar 36, 37 para ele completar, não é? Só que vamos pensar assim, é uma caixinha de surpresa”. Novamente o medo que o filho morresse a deixou paralisada e ao retornar ao quarto, ela conta que chorou muito.
Desde que Bernardo está na UTI, ele passou por várias intercorrências e os pais, que são evangélicos, buscaram na religiosidade a força que precisavam para encarar cada desafio. Nos momentos difíceis, os pais oravam sempre. Uma das situações foi extrema. “A gente o entregou para Deus. Eu falei que se fosse para o meu filho ficar daquele jeito, era para Deus entrar na UTI e recolher ele naquela hora. Acho que foi a oração mais difícil e mais sincera que eu já fiz na minha vida. Foi aquela hora, assim, que eu me vi no chão”, desabafa Katlen.
Com o passar do tempo, Bernardo evoluiu bem e nesta semana, a família comemora o fato do bebê ter deixado a incubadora e ido para o berço. “Hoje ele já está esperto. E ontem [dia 06 de maio] elas colocaram no bercinho e a enfermeira deixou eu dar banho nele”, conta.
Mães podem ficar 24 horas com os bebês
A enfermeira citada pela mãe é Salete Vieira de Mello, que trabalha há 18 anos na Santa Casa de Irati. Ela é uma das profissionais da equipe multidisciplinar que atende os recém-nascidos que permanecem nos 11 leitos de média complexidade da UTI Neonatal de Irati e suas famílias.
Outra integrante da equipe é a assistente social Ana Cláudia Vieira de Andrade, que trabalha há 15 anos no hospital e conta que o acesso das mães à UTI é livre em qualquer horário do dia ou da noite. “Elas têm o direito de permanecer por 24 horas junto com o seu bebê. Nós oferecemos poltronas e alimentação. Almoço, janta, café da manhã e os lanches nos intervalos. Decorrente da amamentação, dá muita fome e sede”, diz Ana. As refeições são balanceadas, com a orientação de nutricionista para respeitar questões específicas de cada bebê, como algum tipo de intolerância devido ao sistema digestivo prematuro.
Apesar do hospital oferecer refeições e espaço para a permanência das mães, muitas delas não residem em Irati. Vera Lucia Sznaidr, moradora de Rebouças, é uma delas e acompanha a filha há 10 dias na UTI. Ela se emociona ao contar que o descolamento diário a Irati é difícil. “Para mim está sendo complicado, pois eu tenho outro piazinho de 7 anos, então eu tenho que deixar ele com as minhas irmãs, pegar o ônibus e vir para cá”, conta Vera.
Outra mãe que há 12 dias percorre o trajeto entre o município de Imbituva e a UTI da Santa Casa de Irati é Andrieli de Fátima, de 18 anos, que teve a primeira filha prematura. Tímida, ela preferiu não contar muito sobre sua história, que inclui falta de suporte familiar.
Na UTI Neonatal de Irati são atendidos pacientes da região e, quando sobram vagas, a central de leitos do Paraná encaminha bebês de todo estado para receberem o suporte hospitalar em Irati. Já estiveram na UTI Neonatal da Santa Casa prematuros nascidos em cidades distantes, como Foz do Iguaçu e Assis Chateubriand. Também bebês de cidades maiores, como Curitiba e Ponta Grossa, quando não havia vagas nas UTIs de hospitais desses locais.
De acordo com a enfermeira Salete, não há um tempo médio de permanência dos recém-nascidos na UTI. Conforme o caso, o bebê pode ficar de uma semana a três meses ou mais no hospital. Ela explica que dependerá da evolução de cada criança. “É porque vai levar realmente em consideração o quadro clínico, a idade gestacional, o peso, o quadro digestivo, o sistema respiratório. Tudo isso tem que estar equilibrado para conseguir devolver essa criança até seu lar com segurança”, descreve a enfermeira.
Fatores sociais são desafiadores
Conciliar trabalho, rotina da família e estar no hospital para auxiliar na recuperação do recém-nascido na UTI é um dos desafios das mães dos bebês prematuros.
“Ninguém se organiza, diz: ‘Ah, eu vou ter o meu bebê prematuro e ficar lá. A mãe tem um mundo lá fora, ela tem uma família, tem outros filhos, tem marido. E ela tem que se dedicar nesse momento ao bebê, porque a relação mãe e filho favorece muito para a alta também, não é só os fatores da comida, do leite, da medicação. Estar com o bebê, esse vínculo é muito importante para o tratamento também. Então, ela tem que estar bem para passar o bem. Isso influencia em diversas questões. Questão financeira, tem mães que são autônomas, tem mães que são arrimos na família, que tem que estar trabalhando. Então, a gente aborda toda essa questão social e familiar”, conta a assistente social Ana Claudia.
A enfermeira obstetra e gerente de enfermagem Genilse Aparecida Holtman Menon complementa. A gente sabe o quanto as mães sofrem, que não é fácil o fato de ter que receber a alta e ir pra casa sem o bebê. Que não é fácil chegar em casa, ver os filhos que estão em casa também pedindo pelo irmãozinho, pela irmãzinha, mas a gente sabe que é para o bem”, diz.
Outro desafio é quando o bebê já pode ir para casa, pois alguns precisam de cuidados especiais. Então, a família tem que ser treinada e ter estrutura para receber a criança, como detalha a assistente social. “Todos esses aspectos a gente vê antes da alta. Enquanto equipe multidisciplinar, fazemos reuniões com essas mães. Então, são bebês que têm casos específicos e cuidados posteriores em casa específicos também”, explica Ana Cláudia.
Para preparar os pais, é feita uma adaptação no setor de pediatria, conta a enfermeira Salete. “O bebê não vai diretamente da UTI para casa, ele passa pelo setor de pediatria, que é a enfermaria. E lá os cuidados ficam com o pai e a mãe, no mínimo o bebê fica 24 horas lá, eles que dão o cuidado e a equipe os auxilia. Então, dessa forma, os pais já se sentem mais seguros para ir com o bebê para casa”, relata Salete.
Também antes da alta hospitalar, profissionais do setor de saúde dos municípios de origem das famílias são acionados. Eles são informados sobre o caso e orientados a fazer o acompanhamento, a dar a assistência necessária.
Aleitamento materno
Para auxiliar na melhoria do desenvolvimento dos reflexos dos recém-nascidos prematuros, uma profissional de fonoaudiologia faz parte da equipe multidisciplinar da Santa Casa de Irati. Um dos principais fatores trabalhados é a capacidade de sucção, para que o bebê possa deixar de se alimentar por sonda e começar a mamar.
A fonoaudióloga Karina Ramilo de Jesus trabalha há 11 anos no hospital e relata que as mães que têm bebês na UTI a esperam ansiosamente, porque quando a fonoaudióloga vem é para colocar a criança para mamar.
“Para mim, realmente é muito gratificante ver um bebezinho que no começo está muito desorganizado, não sabe sugar, não sabe coordenar, então a gente faz todo esse trabalho na fonoaudiologia e depois poder ver eles vivendo bem, viçosos, gorduchinhos”, conta Karina.
Ela destaca que as mães comemoram cada ganho de peso dos bebês e que o ato de amamentar é muito importante para a recuperação dos pequenos, pois além de nutrir, também oferece aconchego. “Elas [as mães] têm sido não só fonte de nutrição realmente, mas uma nutrição emocional, de conforto, de amor”, afirma Karina.
Tanto que, segundo a fonoaudióloga, mesmo na incubadora os bebês ficam mais calmos ao ouvirem as vozes de suas mães.
Conforto psicológico
O apoio psicológico para as famílias durante o período em que os bebês ficam na UTI é outro fator fundamental. Para as mães, a diversidade de emoções que caracteriza o puerpério ganha dimensões bem maiores quando misturada à quebra de expectativas e aos novos desafios diários, com explica a psicóloga Mariana Dalcarobo Antochevicz.
“Quando a gente pensa na maternidade ao longo da nossa vida, a gente constrói sonhos, a gente constrói uma imagem do que é ser mãe, de como vai ser aquele parto, de como vai ser um pós-parto, né? E quando essas mães entram aqui, elas estão em grande sofrimento”, comenta Mariana.
Segundo ela, isso dificulta a compreensão da situação e mesmo das orientações da equipe multidisciplinar. “Porque, às vezes, são tantas emoções, são tantos sentimentos ali presentes que elas não conseguem mesmo parar para pensar, para entender aquilo que está falando. E é preciso, muitas vezes, a gente ir conversar, avaliar, sempre estar entendendo o que elas sabem, o que eles estão compreendendo, explicar de novo”, destaca Mariana. Ela cita algumas medidas adotadas na busca de transmitir as orientações quando a família está tendo dificuldade para compreender. “Às vezes, a gente faz uma reunião, apenas nós, o médico e a família, para explicar novamente, para orientar, utilizar termos mais compreensíveis, igual a Karina falou, para tornar esse momento menos doloroso para eles”, diz.
Humanização
Jussara Kublinski Hassen, diretora administrativa da Santa Casa, enfatiza a importância do atendimento às mães de Irati e região perto de casa. “Porque você pensa em uma mãe se deslocando aqui de Irati e uma mãe se deslocando lá do interior de Inácio Martins para outros municípios, como Curitiba, Ponta Grossa. Aqui o conforto delas é muito maior para estar perto do bebê. E a gente conta com essa sala que acolhe as mães, que não é uma obrigatoriedade dos hospitais, mas a Santa Casa tem”, relata.
Segundo ela, uma das grandes preocupações da entidade é em oferecer atendimento humanizado. “Trabalhamos muito com humanização, e para nós é muito gratificante de ver que tem mães aqui que ficam 30, 40 dias e elas são cuidadas diariamente. Inclusive, se ela passar por mal, que se dê uma consulta para qualquer intercorrência”, comenta Jussara, acrescentando que o apoio da equipe também se estende aos pais.
A enfermeira obstetra Genilse Holtman Menon, que atuou na maternidade por 19 anos enfatiza a força das mães. “Essas mães são grandes guerreiras, que não é fácil estarem aqui todos os dias, passando o dia às vezes até a chegada da noite. Vêm de fora, passam por bastante dificuldade, mas a nossa maior alegria é ver elas indo embora com o nenê no colo, feliz, faceira. Depois, a gente acompanha pelo Facebook que estão bem. Então, é muito gratificante isso”, diz.
Qual é a maior dificuldade de trabalhar na UTI Neonatal e o que é mais gratificante?
As profissionais da equipe multidisciplinar da Santa Casa de Irati contam como se sentem ao trabalhar com as famílias na UTI Neonatal.
Eu acho que uma das maiores dificuldades que a gente encontra ali dentro é lidar com esse sofrimento mesmo, de ver famílias que às vezes fizeram tantos planos, que tinham tantos sonhos e às vezes elas se depararem com essa situação tão difícil. (...)
E o quanto é difícil para elas se adaptarem a essa nova rotina, se adaptarem a essa nova vida, tem mulheres que vêm de fora. Estão todos os dias fazendo essa viagem de ida e volta.
Para mim, uma das partes mais gratificantes é quando a gente consegue mesmo ter esse trabalho em equipe, fazer esse cuidado com elas, quando a gente consegue ver a evolução do nosso trabalho.
Mariana Dalcarobo Antochevicz, psicóloga
Para nós, como equipe de enfermagem – falando de todas as enfermeiras, os técnicos de enfermagem que estão lá dentro –, a maior dificuldade é o equilíbrio da emoção. Porque tem dias bons, alegres, chora da alegria. Tem dias ruins, né? E nós somos mães, então é muito difícil esse equilíbrio das emoções. São 11 mães, às vezes 10. Uma um dia está no dia bom, outra está no dia ruim. Então, a gente tem que consolar aquela que está no dia ruim e tem que se alegrar por aquela que está no dia bom. Quando a gente tem óbito, é muito difícil. Acho, assim, que é uma perda muito doída, temos que controlar para não chorar na frente delas, mas a gente chora em casa, escondida no banheiro.
E a maior alegria é alta. E quando elas voltam e falam: esse é meu filho que você cuidou, hoje ele tem 10 anos, 11 anos.
Salete Vieira de Mello, enfermeira
Eu sou mãe de Neo. A Eduarda ficou por 28 dias aqui dentro da UTI e dois na pediatria. Então eu consigo entender perfeitamente o que todas passam e pensam aqui. E o momento mais difícil é você deixar tudo para trás, e a ansiedade. Quando eu chegava aqui e a Eduarda ganhou três gramas, cinco gramas, cada grama era uma vitória. Acho que o mais difícil é o passar dos dias, essa angústia que tudo termine bem. Você não sabe o que vai acontecer, você não sabe se uma ligação que você vai receber é boa, se vai estar tudo bem. O meu sentimento enquanto mãe, quando eu recebi alta, era que ela tinha nascido naquele momento. Hoje ela tem 15 anos. É linda, maravilhosa, um mulherão.
Enquanto profissional, eu também vejo o óbito como o pior momento. E o momento mais gratificante é alta, não tem.
Ana Cláudia Vieira de Andrade, assistente social
A parte que realmente é mais difícil é óbito. Agora, já com mais tempo de casa, a gente consegue conciliar um pouco mais as nossas emoções. Mas, realmente, essa variabilidade que existe. (...) Enquanto mães, a gente se coloca vendo o outro, imagina, né? Às vezes, a gente não consegue nem dimensionar aquilo, porque o nosso cérebro não permite nem pensar a gente passar por uma situação daquela, do quanto aquilo é doloroso. Como momento gratificante, ela cita acompanhar e ajudar na evolução dos bebês, quando eles conseguem mamar e ganhar peso.
Karina Ramilo de Jesus, fonoaudióloga
Letícia Torres