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Qual a ligação entre o Carnaval e a Igreja Católica?

20/02/2023

Qual a ligação entre o Carnaval e a Igreja Católica?

Geralmente o evento é associado a festas e excessos que podem ser considerados pelos cristãos como pecado, contudo, o próprio Carnaval tem suas origens ligadas à religião; atualmente, crenças de vários tipos já têm realizado suas próprias festas no período que antecede a Quaresma

A festa de Carnaval que acontece tradicionalmente todos os anos em diversas cidades do Brasil, com diferentes tamanhos e formatos, nos dá a impressão de que o evento é genuinamente brasileiro e que foi criado por nós. No entanto, o Carnaval tem suas origens na Europa, ainda na Idade Média, e por mais estranho que isso possa parecer, tem ligação direta com a Igreja Católica. Naquele período, celebrações já existentes e consideradas pagãs foram sendo adaptadas para os costumes já consolidados pelo Cristianismo. No Brasil, a festa começou a ser realizada pelos colonizadores europeus e foi se misturando com diferentes manifestações culturais, chegando aos moldes que conhecemos hoje.

E como as religiões avaliam o Carnaval atualmente? Muitas pessoas associam a festa a um período de pecados e exageros, o que não condiz muito com os valores que o Cristianismo acredita. Pensando nisso, muitas religiões têm mais uma vez adaptado essas celebrações para que fieis possam aproveitar dentro das regências que cada uma delas segue.

Carnaval e Cristianismo

De acordo com o doutor em História e professor do Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), João Carlos Corso, durante a Idade Média a Igreja tinha um forte domínio na Europa e não via com bons olhos as festas e celebrações já existentes por considerá-las pagãs. Com o passar do tempo, essas celebrações foram sendo absorvidas e transformadas em eventos cristãos.

“Festas que já existiam no cenário europeu, como da própria cultura das populações europeias, dos celtas, dos vikings, dos francos, dos germânicos e romanos, o Cristianismo vai aos poucos cristianizando todas as festas. Em que sentido? Transformando, por exemplo, a Festa da Colheita em festas de um santo. É mais ou menos o que a gente vê na Festa de São João, por exemplo, festividade que aqui no Brasil chegou como Festa Junina”, explica Corso.

Como na época a vida era mais regrada e as pessoas evitavam festas pagãs, o Carnaval surgiu e se tornou como uma espécie de ‘fuga’ para que os fiéis pudessem celebrar e se preparar para o período da Quaresma.

“Vários estudiosos da História mostram essa relação com o Cristianismo e enfatizam muito essa discussão a esse momento ser uma espécie de enterro da vida pagã, porque aí vem o tempo de ser mais religioso, um tempo de penitência. São 40 dias de penitência, que é uma preparação para a Páscoa. Temos que entender que a Páscoa é o ápice da vida cristã, não o Natal. A principal celebração cristã é a morte e ressurreição de Jesus. E nesses 40 dias de preparação, há uma série de regras, rezas, atos religiosos, rituais e algumas restrições, como é a ideia da discussão em relação à carne. Então, o Carnaval, de certa forma, até a própria palavra tem essa relação, porque depois não vou poder fazer uso mais da carne”, detalha Corso.

O pároco da matriz Nossa Senhora da Luz, padre Jorge Casimirski, concorda com o professor da Unicentro e explica que o dia de celebrações em outros tempos da história era a Quarta-feira de Cinzas, que hoje marca o início da Quaresma. “Na história, o povo se encontrava um dia antes, na Quarta-feira de Cinzas, no início da Quaresma, para uma festa de estar juntos, de passar um tempo reunido, porque o próximo dia seria o dia de um período penitencial, o que nós chamamos de Quaresma, ou seja, 40 dias, que é o tempo para nos preparamos para a Páscoa, que é a maior festa não só do Catolicismo como do Cristianismo, mais do que o Natal, mais do que outras festas litúrgicas. É a Páscoa, é Cristo que venceu a morte e ressuscitou no terceiro dia”, explica Casimirski.

Como o carnaval chegou ao Brasil

Assim como muitos costumes existentes até os dias de hoje no país, o que chamamos de Carnaval e que tem origem na Europa chegou ao Brasil junto com os colonizadores e foi se estruturando com o passar dos anos ao se misturar com outros costumes dos mais diversos povos.

“Essa festa acaba vindo para cá como outras festas, comuns em Portugal, na Espanha e no território espanhol também. E é interessante que no Brasil ela vai ocorrer em vários locais e também com formatos diferentes. Então, mesmo sendo na mesma data, elas têm algumas características diferentes. Como o Carnaval mais no Nordeste, algumas diferenças em Pernambuco, na Bahia e no Rio de Janeiro. Ele está presente em todo o território nacional”, explica Corso.

A festa atual e os valores cristãos

Assim como o professor Corso cita a relação do simbolismo do Carnaval com o ‘uso da carne’, muitos associam o evento como um momento de exageros desregrados, o que se dissocia da religiosidade. Apesar disso, o padre Jorge Casimirski acredita que o Carnaval ainda é um momento a ser aproveitado, inclusive pelos cristãos, e vê a festa como a expressão das culturas do momento em que vivemos.

“O Carnaval questiona, ele traz à tona uma realidade, e isso eu vejo como um ponto positivo. Mudou muita coisa com o passar do tempo, desde a preparação do Carnaval, inclusive as escolas traziam uma cultura mais voltada para os valores humanos, para as pessoas, para a família e comunidade. Agora, com a modernidade e a pós-modernidade, isso foi se modificando e nem sempre é condizente com os valores cristãos. Mas é claro que naquele tempo havia uma expressão daquela realidade, hoje é uma realidade diferente. Antes era um período de se encontrar para comemorar, porque iria iniciar o período quaresmal”, avalia o pároco.

Ainda que possa parecer contraditório o atual cenário que o Carnaval apresenta em relação aos valores que o Cristianismo prega, as próprias religiões têm promovido uma espécie de ‘Carnaval alternativo’, com eventos voltados para a religião e aos bons costumes, o que dá mais pluralidade ao momento e possibilita períodos de descontração antes do período da Quaresma.

“Essa ideia de o povo aproveitar o Carnaval e depois ‘fazer Quaresma’, penitência etc., eu vejo que isso mudou bastante nos últimos anos. No âmbito mais religioso, católico, protestante, eu tenho visto que há um bom tempo as próprias igrejas têm feito um discurso contrário ao Carnaval e criando ambientes de um Carnaval mais dentro daquilo que a igreja acredita”, avalia Corso.

Com essas alternativas cada vez mais em crescimento, pessoas de diversas religiões que não tinham a oportunidade ou interesse em participar de festas de Carnaval têm a opção de se sentirem incluídas, sem deixar para trás os valores em que acreditam.

“O Carnaval, em vez de ser a festa popular, acaba virando um retiro espiritual ou uma festa, uma dança, tudo mais, mas com música gospel ou cristã. Esse é um processo que a gente tem visto aqui em Irati, no Paraná e no Brasil todo. E não só dentro do âmbito das igrejas. Tenho visto que até em religiões que nem têm a ver com o Cristianismo também têm essa prática de aproveitar um momento de feriado para fazer algo nesse aspecto de um retiro, mais ainda com essa ideia de aproveitar o carnaval”, observa o professor.

Atualmente não existe qualquer restrição para que pessoas ligadas ao Cristianismo participem de eventos como Carnaval ou de outras festas. O padre Jorge, no entanto, orienta que cada fiel leve em consideração aquilo que acredita para que a Quaresma não perca o sentido.

“Cada pessoa, cada família, olha a questão da cultura. Eu vejo que o Carnaval tem que ter seus limites dentro da moralidade, e ao mesmo tempo ele expressa a cultura, expressa uma mensagem de uma realidade do Brasil para os dias de hoje. Por isso vai de cada família, de cada pessoa, com seus valores cristãos, estar presente dentro destes períodos. Não existe uma questão de proibição, mas sim de valores”, descreve o padre.

Nesse aspecto, ‘aproveitar o carnaval’ e depois fazer penitência pode não ser algo ligado somente ao Cristianismo e sim à cultura. Diversas pessoas praticam o jejum ou evitam comer carne em determinados dias da Quaresma, o que de fato é ligado ao Catolicismo, mas também já está no costume de algumas famílias que seguem outras crenças.

“Às vezes nem está presente na questão só das igrejas, mas da própria cultura popular. Ainda existem pessoas que deixam de comer carne ou se alimentam com peixe, ou diminuem as suas refeições, ou fazem algum tipo de penitência, ou algum tipo de promessa nessa época. A ideia de que você tem um momento mais profano, porque depois você vai ter o momento mais sagrado, a preparação para a data central do Cristianismo, que é a morte e ressurreição de Jesus, esse processo ainda ocorre. Ele está muito forte, muito presente, mas, claro, ele tem mudado porque a nossa sociedade mudou. Há uma diversidade de crenças, uma diversidade de cultura”, detalha o professor da Unicentro, Doutor em História.

Os mitos da Quaresma

O professor de História menciona também os bailes dançantes. Existia até pouco tempo uma forte crença de que dançar na Quaresma, namorar ou até rir, seria um desrespeito ao sofrimento de Jesus e isso faria com que a pessoa ‘criasse rabo de burro’ ou até ‘pés de bode’. Esse folclore foi deixado um pouco de lado pelas novas gerações. 

“Os bailes eram a grande questão aqui na nossa região e do interior do Paraná. Era muito comum que na Quaresma não houvesse bailes. Eu tenho visto que isso já não é uma regra geral, acredito que tenha mudado algumas coisas em relação a algumas festas mais ligada às próprias comunidades cristãs. Inclusive nos bailes da terceira idade não tem mais essa interferência”, avalia Corso.

O ano só começa depois do carnaval?

O doutor em História e professor do Departamento de História da Unicentro, João Carlos Corso sugere que os brasileiros deixem de lado a cultura de que o ano só começa depois do Carnaval. Ele acredita que esse costume já não funciona mais, uma vez que país trabalha e produz durante todo o ano.

“É uma espécie de mito de lenda, dentro da nossa cultura, que diz que aqui no Brasil nada começa antes do Carnaval. Eu acho que isso já não é uma coisa que funciona na prática. A gente finalizou um ano, iniciou um novo ano, o trabalho continua, as coisas continuam, a escola continua. E isso ainda está muito presente na mentalidade de algumas pessoas. Mesmo assim, o Carnaval é um campo amplo de discussão, de festas, de coisas bonitas também, do sentido de tantas memórias, da preparação dos adereços, da ideia de fantasia, dos blocos. Então é tudo uma cultura sendo construída em torno disso. É bacana, é muito rico”, finaliza.

Campanha da Fraternidade

O padre Jorge Casimirski destaca também o período quaresmal como uma maneira de chamar a atenção do mundo para os problemas contemporâneos que afetam diversas pessoas. Pelo terceiro ano consecutivo, a Campanha da Fraternidade deste ano vai abordar o tema “fome”, com o tema “Fraternidade e fome”, e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer”.

“Nesse período, nós também desenvolvemos a Campanha da Fraternidade, que neste ano também conta com a participação das Igrejas Cristãs, entre elas a Luterana e algumas presbiterianas, de modo ecumênico”, destaca Casimirski.

A campanha promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) baseia-se em problemas atuais para desenvolver a iniciativa. “A igreja tem um manual, que faz com que desenvolvamos a campanha dentro de uma realidade junto com as pesquisas e não dentro de um achismo. Ela se desenvolve a partir da realidade para ter um fundamento, que nos dias de hoje é a fome. Essa é a visão da igreja: o alimento é um direito de todos”, pontua.

Ele alerta para o controle do desperdício de alimentos e chama a atenção para a preocupação com aqueles que não têm o que comer. “Sabemos que hoje o alimento virou uma mercadoria, e que há muita diferença hoje entre realidades, com desperdícios de alimentos nesse mundo materialista e consumista que poderiam matar a fome daqueles que quase nada têm”, avalia.

Texto: Lenon Diego Gauron

Fotos: Lenon Diego Gauron/Hoje Centro Sul, Pixabay e Divulgação/ CNBB

 

 

 

 

 

 

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