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Coronavírus: Proximidade da morte no cotidiano trouxe o medo e o desafio de superá-lo

Religiosos, espiritualistas e profissionais que atuam na área de saúde mental orientam como encarar a morte e o medo dela. Também explicam a importância de vivenciar o luto e comentam sobre a superação das perdas

03/11/2020

Coronavírus: Proximidade da morte no cotidiano trouxe o medo e o desafio de superá-lo

Considerada o último capítulo da vida de cada pessoa, a discussão sobre o que é a morte e o sentimento que ela traz a todos ainda é um tabu. Porém, a pandemia do Coronavírus fez com que a morte estivesse no nosso cotidiano, seja pela contagem das vidas perdidas pela doença ou até mesmo a perda de um ente próximo durante este período. Nesse novo cotidiano, surge o medo da morte. Como superar esse medo e o sentimento de insegurança e perda?

Para muitos, a chave está nas religiões. Nelas, vários fiéis tentam encontrar compreensões de como é a morte e como assimilar o fato de ela ser inevitável, parte da própria vida. Para o padre católico, Reginaldo Manzotti, essa superação ocorre quando o fiel encara que a morte é uma transformação. “Para os que creem, a vida não é tirada, mas transformada. Assim como a semente que, ao cair na terra morre e dessa morte brota a nova vida, cremos que a morte é a passagem para a ressurreição, a nova vida em Cristo”, disse.

Essa transformação também é vista pelo espiritismo, que vê a vida como uma passagem do espírito na Terra e compreende que a morte não é o fim. “As pessoas temem a morte porque não lembram como é a vida do outro lado da vida. Elas esquecem que vieram desse outro lado e têm profundo desejo de não querer se libertar da vida na Terra. As pessoas criam laços por tudo o que têm aqui. O fato de romper esses vínculos em algum momento apavora e cria na consciência o desejo de nunca querer se libertar da vida terrena. Portanto, é necessário desapegar dos sentimentos terrenos e deixar ser envolvido pelos sentimentos de amor. Por intermédio dele, conseguiremos nos tornar mais fraternos, justos e amigos”, explica o escritor espírita Odil Campos.

Nas religiões de matrizes africanas, como o candomblé, a morte é parte natural da vida. “Na tradição ao qual pertenço a morte é um ciclo natural da vida, o qual todos nós vamos passar. Entretanto, diante dos diversos atravessamentos sociais e religiosos os quais passamos, acredito que a forma possível e saudável [de superar] é ter consigo a tranquilidade e a serenidade de ter feito e vivido momentos bons com o ente que veio a falecer”, conta o babalaô (sacerdote do candomblé) Ivanir dos Santos.

Sem velório

Uma das dificuldades que a pandemia gerada pelo Coronavírus trouxe ao cotidiano das pessoas foi a morte sem velório. Para não ter problemas de contaminação, muitos municípios proíbem a realização de velório e a maioria orienta que o enterro seja feito com caixão fechado. Essa prática dificulta o momento de luto e a aceitação da perda.

Para as religiões, a fé pode ser um meio para atravessar esse momento. “Se cremos e temos a esperança da ressurreição, a vida não é tirada, mas sim transformada. Isso não quer dizer que não sofreremos com a perda, quer dizer que saberemos entregar a Deus aquele ente querido”, explica o padre Reginaldo Manzotti.

Para o espiritismo, o luto precisa ser superado e transformado. “É necessário encarar a morte como parte integrante da vida, pois o que morre é tão somente o corpo físico. O espírito continua vivo, pois ele é somente energia. É assim que devemos ver. Além de ser uma realidade, diminui nossa dor”, diz Odil Campos. Ele defende que é necessário deixarmos de ser egoístas e ficarmos apegados àquele que faleceu. “Isso não significa que não amamos quem partiu, mas devemos conceder a ele a liberdade de seguir seu caminho no outro lado da vida. O luto é uma prisão que nos submetemos para mostrar a dor da perda. Isso não tem muito sentido, pois devemos almejar a quem partiu um ótimo regresso à verdadeira vida”, defende o autor espírita.

Mas, muitas vezes, a religião não consegue lidar com todos os problemas. “A perda e o luto são sentimentos que podem gerar um vazio existencial muito grande. Para além de um cuidado religioso espiritual, é muito salutar que as pessoas que passaram ou estão passando por um momento de perda possam buscar um acompanhamento psicológico. Eu costumo dizer para os fiéis das religiões de matrizes africanas que os cuidados religiosos e espirituais precisam estar em sintonia com os cuidados da psique humana! Pois existem questões as quais o plano religioso não consegue acessar”, comenta Ivanir dos Santos.

A perda

A psicóloga Beatriz Moura explica que a não realização do velório pode ser difícil, porque prejudica a construção do sentido da perda. “A despedida é o momento onde as emoções vem à tona, ou seja, onde familiares e amigos, podem manifestar sua dor, lugar onde virá lembranças, onde existe a necessidade de falar da importância em vida daquela pessoa. Nesse espaço [velório] geralmente querem dar sentidos à morte. O velório e sepultamento é de suma importância para a construção de sentido da perda e no processo de recuperação do luto”, afirma. A psicóloga comenta que, sem o velório, muitas pessoas precisam de ajuda profissional para assimilar a morte e os sentimentos que são motivados por ela. “Ser impedido de se despedir traz a sensação de impotência, o que se trabalha na terapia é a compreensão para que se possa entender que o que se deixou de fazer foi por impossibilidade e não por escolha”, conta.

Luto e superação

Para superar a perda é preciso viver as etapas do luto, segundo a psicóloga Ana Gabrieli Andriani. “O desafio parece ser viver o luto e suas etapas, tentando respeitar os sentimentos daquela fase (como tristeza, revolta, falta de vontade de realizar atividades diárias, entre outras), e esperar que, aos poucos, o ente querido seja ressignificado. Com isso, ele passa a existir dentro dos parentes e amigos em forma de memórias e lembranças de como era aquela pessoa, de momentos vividos e também em forma de saudade”, explica.

Segundo o psiquiatra Cirilo Tissot, outro meio de superar é tratar a morte de forma simbólica. “O luto é um processo mental, que não depende exclusivamente do sepultamento, se estendendo pelo tempo que for necessário, até que a pessoa possa voltar à sua rotina original. Para tanto, a viabilidade do retorno ao túmulo para ritualizar uma despedida, ou mesmo redigir uma carta à pessoa ausente, possibilita formas alternativas de suavizar a dor e a possibilidade de escolha por um melhor momento, para compartilhar com as pessoas próximas a importância da falta daquele que se foi”, aconselha.

Para a psicóloga Juliana Gebrim, a simbologia também é o caminho. “Minha orientação é para que as pessoas criem novas simbologias para viver esse luto, coloquem o luto dentro delas e fortaleçam a imagem dos momentos bons que viveram com aquela pessoa querida. Também considero de fundamental importância que procurem o apoio dos familiares, tentando criar e manter uma rede de apoio entre eles, mesmo à distância, para que possam viver juntos esse momento”, disse.

Seguindo em frente

Os especialistas destacam que o medo da morte não pode paralisar a vida, que é preciso encontrar meios criativos para superar esses tempos e que não há regras para isso. “Cada pessoa tem sua forma e tempo para lidar com o sentido da morte, sendo assim, não existe uma regra para se superar o medo dela totalmente, mas acredito que termos esperança de que esta situação vai passar, como tantas outras pandemias e catástrofes vividas pela humanidade, nos ajude a lidar com este momento”, orienta a psicóloga Ana.

Continuar com os meios de prevenção ao coronavírus também pode ajudar a trazer algum controle em relação ao medo da morte, mas se o problema persistir, a busca de ajuda profissional se faz necessária. “Minha orientação é para que as pessoas continuem tomando as precauções necessárias para não contrair o vírus, manter o distanciamento social e cuidar da sua saúde. Tenha sempre em mente que a pandemia não acabou e faça a sua parte para não correr riscos de vida. Dessa forma não tem porque ter medo da morte nesta pandemia, mas se você não conseguir controlar esse medo, o ideal é procurar ajuda de um psicólogo”, alerta a psicóloga Juliana.

Para Beatriz, a terapia pode ser uma grande aliada. “O mais aconselhável é fazer terapia, porque se está com medo precisa ver de onde ele vem (como surgiu?). Pode ser por quantidade excessiva de informações e nisso poderá vim a surgir insegurança e desencadear crises de ansiedade e fobias”, disse.

Outro meio de superar é a ajuda ao próximo, segundo o psiquiatra Cirilo. “Nesse momento de pandemia, vimos crescer movimentos de solidariedade comunitária e empatia.  Muitas pessoas se dispuseram a ajudar desconhecidos do grupo de risco, fazendo compras e buscando encomendas, como também, mesmo não sendo do grupo de risco, usam os mecanismos de proteção (máscaras e álcool gel) preocupadas em não transmitir aos demais. Isto traz não só um senso de utilidade e poder fazer (versus a impotência sentida diante do vírus), mas também o conforto de não estarem sós, pela sensação de pertencimento a um grupo maior, minimizando a sensação de solidão e fragilidade, aproximando-se de outras pessoas que, ao se cuidarem, também cuidam de nós”, explica.

Texto: Karin Franco

Foto caixões: Arquivo/Hoje Centro Sul

Fotos cemitério: Letícia Torres/Hoje Centro Sul

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