18/03/2025
Muito além do jejum e da penitência, para os católicos e para alguns evangélicos, a Quaresma é um convite à reflexão, ao perdão e ao compromisso com a fé. Líderes religiosos ressaltam que esse período não tem como objetivo apenas fazer com que as pessoas abram mão de pequenos prazeres, mas que busquem uma verdadeira renovação espiritual, um propósito. Também para que pratiquem a solidariedade e fortaleçam a conexão com Deus e com o próximo.
Dom Bruno Elizeu Versari, bispo da Diocese de Ponta Grossa, sugere que as pessoas façam um propósito de vida. “O tempo quaresmal inicia na Quarta-Feira de Cinzas. A gente recebe as cinzas para marcar o início de um caminho, o início de um propósito. Não é deixar de tomar refrigerante, de comer chocolate, mas fazer um propósito de vida. Durante esse período, eu quero me empenhar mais nisso, talvez em rezar, talvez escutar os filhos, dar atenção aos idosos... A Igreja nos convida ao cuidado com o meio ambiente, vai nos propor várias iniciativas. Isso que vai culminar na Semana Santa”, afirma Dom Bruno.
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No ano litúrgico católico, a Quaresma é um dos momentos mais significativos, pois marca os quarenta dias de preparação para a Páscoa. Mais do que um tempo de penitência, motiva a reflexão sobre a justiça, o jejum e a oração, como explica o padre Hilario Opaski, da Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Irati, do rito católico ucraniano.
"A Quaresma tem três fases: a esmola, a oração e o jejum", destaca o padre. Segundo ele, a esmola não se resume à doação material, mas à capacidade de olhar para o outro e reconhecer suas necessidades. "Sabemos que isso nunca resolverá completamente o problema do necessitado, mas o que importa é a forma como enxergamos o sofrimento do próximo e como nos colocamos à disposição para ajudar", destaca.
A oração, por sua vez, é a conexão com Deus e com o próprio interior. "Na oração, agradecemos, pedimos e louvamos. Mas também renovamos nossa fé e compreendemos melhor nosso papel na caminhada cristã", explica o padre Hilario.
O jejum, a terceira fase da Quaresma, não se trata apenas da abstinência de carne, mas da renúncia àquilo que parece essencial, mas que pode ser superado. "Jejuar é privar-se de algo que consideramos muito importante e depois perceber que talvez não fosse tão essencial assim", explica. O padre da Paróquia Imaculado Coração de Maria cita alguns exemplos. “Por exemplo, o fumante. O fumante sabe que não pode ficar sem fumar. Mas ele faz esse jejum. No final dos quarenta dias talvez ele não fume mais. Ele vai perceber que não era tão necessário. A mesma coisa com quem bebe, se ele fizer essa jornada desses quarenta dias, ele estará ajudando o corpo físico, a saúde e também a vida espiritual. Eu creio que hoje a primeira coisa quando você pensa em Quaresma, lembra o jejum de carne. Mas qual é a diferença entre um pedaço de tilápia e um bife? Se não te trará transformação interna?”
Outro ponto central da reflexão, segundo ele, é o perdão, um dos grandes desafios da vida cristã. "Muitas pessoas dizem perdoar, mas no coração guardam mágoas. O verdadeiro perdoar é aquele que nos liberta do peso do ressentimento e nos permite seguir em paz." O sacerdote lembra o exemplo da oração do Pai Nosso: "Todos os dias rezamos: ‘Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.’ Mas será que estamos perdoando mesmo quem nos tem ofendido? Assim como Deus nos perdoa constantemente?".
O padre também relembra a parábola bíblica do Filho Pródigo, presente no Evangelho de Lucas, capítulo 15, versículos 11 a 32. “Nessa parábola, o filho volta para a casa quando está em necessidade, e o pai o recebe sem questionar, não pergunta nem por onde andou e o que fez enquanto estava fora. Apenas percebe o seu arrependimento e o recebe de volta, e assim Deus é conosco, ele não se importa com o que fizemos, se nos convertermos e estivermos arrependidos ele nos perdoa, sem questionar o que fizemos. Deus não pergunta sobre os erros do passado, mas sobre o que queremos fazer a partir de agora", enfatiza o padre Hilario.
O sentido do jejum e da penitência
Ao longo dos anos, a rigidez das práticas quaresmais foi diminuindo. Antigamente, evitar carne vermelha, festas e até mesmo música eram atitudes comuns no período. Entretanto, muitos seguiam essas tradições sem compreender seu verdadeiro significado. Segundo o pastor Jefferson Schmidt, da Paróquia Luterana das Araucárias, a privação só faz sentido quando leva à reflexão e ao crescimento espiritual.
"Certos alimentos saíam do cardápio, evitava-se ouvir música ou cantar, não havia casamentos e nem bailes neste período. Mas quando se perguntava sobre os motivos destas restrições, nem sempre se conhecia uma resposta. Isso é comum quando costumes se acomodam como uma tradição irrefletida e muitos, ainda hoje, não sabem explicar a razão por não comerem carne vermelha, o silêncio, o jejum, a ausência de festas. De nada adianta deixar de comer, de fazer, se for uma ação que não me leve à reflexão", afirma o pastor. Ele destaca que muitas pessoas ainda mantêm o costume de se abster de algo durante a Quaresma, seja comida, bebida ou até o uso de redes sociais. "O importante é que essa renúncia tenha um propósito e que nos leve a uma transformação interior."
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) propõe o Jejum Diaconal, que incentiva a substituição do consumo por atos de solidariedade. " Há pessoas que se abstêm de algo no período da Quaresma, ou seja, abrem mão de coisas que gostam ou consideram importante. Isto pode estar relacionado a comidas e bebidas, mas também pode significar deixar de comprar alguma roupa, limitar o uso de redes sociais, diminuir atividades. Esta é uma forma de jejum voluntário e intencional. Enquanto Igreja de Confissão Luterana, propomos o Jejum Diaconal – Diaconia significa servir. A ideia é privar-se de um bem, uma refeição ou um presente e transformar o valor não gasto em uma doação de generosidade e amor ao próximo. Deus se alegra com a nossa generosidade e servir ao próximo, que é fruto de nossa fé. Ao deixar de comprar algo, podemos levantar perguntas sobre a produção daquilo que consumimos. Como as pessoas são remuneradas e em que condições trabalham? Que recursos naturais são utilizados? Qual a consequência para a criação divina? Precisamos de tudo o que consumimos?", destaca Schmidt.
Preparação para a Páscoa
O bispo Dom Bruno Elizeu Versari, da Diocese de Ponta Grossa, enfatiza que a Quaresma é a preparação para a Páscoa. “Todo o ano litúrgico é organizado em vista da Páscoa. A festa mais importante da liturgia da Igreja é a Páscoa. Jesus dá a vida, passa pela cruz e da cruz ressuscita para dizer que todo aquele que Nele crê também terá cruzes, mas não ficará sepultado, não morrerá, viverá! É isso que nós celebramos e nisso que nós cremos”, enfatiza Dom Bruno.
No cotidiano, este “passar pela cruz” pode significar os diferentes tipos de dificuldades que todos enfrentam ao longo da vida. O padre Hilario Opaski ressalta que “na vida, existem dias em que a jornada se torna muito pesada". Ele explica que a tendência natural do ser humano é enxergar tudo pelo lado negativo e pensar em desistir.
"Nesses momentos, lembrem-se de Jesus. Quando estava na cruz, ele tinha motivos para amaldiçoar os que o insultavam. Ele tinha o poder para revidar, mas escolheu perdoar a todos os que o fizeram sofrer. Isso nos ensina a abandonar a culpa e o ressentimento, e a seguir em frente com um coração livre. O amor de Cristo é um amor que perdoa sem guardar mágoas, um amor que nos ensina a superar a dor e a transforma-la em redenção", frisa o padre.
Ele sugere que, ao invés de culpar os outros por nossas dificuldades, devemos refletir sobre como podemos mudar nossa própria atitude. "Jesus nos convida a amar como ele amou, um amor que é capaz de ir além das falhas humanas, que é maior que qualquer ofensa ou dor. Se queremos verdadeiramente viver a Quaresma, devemos aprender a perdoar, a recomeçar e a nos reconciliar, pois é isso que nos leva a experiência real da Páscoa e da ressurreição", finaliza o padre Hilario.
Origem da Quaresma
Segundo o pastor Jefferson Schmidt o termo "Quaresma" tem origem no latim quadragesima, referindo-se ao quadragésimo dia antes da Páscoa. A prática do jejum vem do judaísmo e foi incorporada pelos primeiros cristãos, que inicialmente se abstinham de alimentos principalmente na Sexta-Feira Santa e no Sábado de Aleluia. Com o tempo, o jejum se estendeu para todo o período quaresmal, servindo como preparação para o batismo e um tempo de renovação espiritual.
Na igreja católica, a tradição da Quaresma se consolidou no século IV d.C., durante o Concílio de Niceia, quando se estabeleceu a importância do jejum, da oração e da penitência nesse tempo de reflexão.
A Semana Santa, ponto alto da Quaresma, começa no Domingo de Ramos, relembrando a entrada de Jesus em Jerusalém. Na Quinta-Feira Santa, celebra-se a instituição da Eucaristia e do sacerdócio. A Sexta-Feira Santa é marcada pelo silêncio e pela contemplação da cruz, onde Cristo deu sua vida. No Sábado Santo, a Vigília Pascal ilumina a ressurreição com o Círio Pascal, proclamando que a morte não tem a última palavra – a vida vence.
A simbologia do número 40
O pastor Jefferson Schmidt, da Paróquia Luterana das Araucárias, explica também a simbologia do número 40. “O tempo de 40 dias tem ligação com o período que Jesus passou no deserto jejuando (Mateus 4.2). Há outras experiências bíblicas em torno deste número simbólico: o povo de Israel peregrinou por 40 anos no deserto (Êxodo 16.35), Moisés permaneceu por 40 dias no monte Sinai (Êxodo 24.18), Elias fez uma caminhada de 40 dias (1 Reis 19.8)”.
Camile Fedaracz