02/09/2021
A pandemia de Covid-19 transformou os conceitos de realização e de felicidade de muitas pessoas. Para alguns, a vida social e familiar começou a ser mais importante do que a vida profissional. Para outros, que veem na atividade profissional algo que gostam e que se realizam, o foco permaneceu o mesmo. O psicólogo Alexander Bez destaca que o que mudou de fato foi a percepção dessas pessoas. “O que aconteceu na pandemia foi uma mudança de percepção sobre as nossas vidas. Muitas pessoas relataram como passaram a se enxergar de uma outra forma com a pandemia, seja pela situação em si como pelas mudanças que foram necessárias a partir dela, como o distanciamento social e o teletrabalho”, comenta.
Isto também tem feito com que se busquem modos de conseguir alcançar a felicidade, mesmo em meio a todo o caos. Foi dentro desse cenário que na semana passada um seminário virtual reuniu pesquisadores para discutir a felicidade nas perspectivas da neurociência, da psicologia, da economia e da filosofia.
Organizado pela Central Press, o seminário “Felicidade na prática: Dicas para ser feliz aqui e agora” reuniu o especialista em psicologia positiva e idealizador do Congresso de Felicidade, Gustavo Arns, o doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo, Daniel Medeiros, e o economista e membro da Academia Paranaense de Letras, José Pio Martins.
De acordo com Gustavo Arns, uma das ilusões é acreditar que uma vida feliz é totalmente livre da tristeza. “O que não seria possível, em primeiro lugar, e também não seria saudável. A tristeza nos leva a reflexões profundas sobre nós mesmos, a felicidade não nos leva a aprender com nossos erros, entender o que não queremos mais para a nossa vida”, explica.
Segundo ele, a felicidade é uma compreensão de que é preciso realizar uma construção saudável de mais bem-estar, vida saudável e mais qualidade de vida ao longo da nossa existência. O especialista citou a compreensão de felicidade do filósofo alemão Arthur Schopenhauer. “A definição dele de felicidade é combinação de bem-estar físico, bem-estar emocional, bem-estar intelectual e bem-estar espiritual”, disse.
Para ajudar o bem-estar intelectual, Gustavo Arns destacou que é preciso cuidar com a exposição negativa de informações nas redes sociais e alimentar com conteúdos positivos, para que possa haver um equilibro. “Como podemos nos alimentar intelectualmente de conteúdos positivos que nos auxiliem a equilibrar a negatividade que estamos expostos?”, questionou.
Entre as sugestões, estão atividades que satisfazem o indivíduo. “O seu hobby, as suas atividades favoritas, uma leitura, um instrumento musical, apreciação artística, momentos com sua família, tudo isso são construções de possíveis elementos para darmos conta da construção do bem-estar intelectual”, explica.
Ele ainda destaca que apesar da pandemia trazer impactos profundos na saúde mental das pessoas, é preciso saber como lidar com as dificuldades, que podem aparecer em qualquer momento. “O fato é que com ou sem pandemia nós vamos lidando com as adversidades, com os desafios da vida. Então, quando fazemos uma reflexão sobre como podemos construir internamente esses aspectos do bem-estar, nós estamos encontrando um estado interno mais positivo. A psicologia chama de um estado interno mais organizado, a partir do qual é possível lidar melhor com os desafios externos. Estaremos sempre em frente a desafios, em maior ou menor escala”, disse.
Esse autoconhecimento é importante para que a busca da felicidade seja concretizada. “Quando encontramos esse estado interno mais positivo ou mais organizado, temos melhor chances de enfrentar esses desafios, encontrar saídas, de evitarmos stress, ansiedade, depressão, que seriam os fatores patológicos que estamos investigando emocionalmente levando a burnout, a síndromes do pânico e todas essas doenças da nossa época”, conta.
Outro ponto destacado pelo especialista durante o evento é a busca do bem-estar espiritual. “Não necessariamente tem a ver com religião, não necessariamente tem a ver com a crença em Deus, mas sim, com o sentido, com o significado que nós damos à nossa vida. Significado que damos às pequenas coisas que fazemos no dia a dia, que ao longo do tempo vão constituir aquilo que chamamos de vida e um sentido maior para a nossa existência”, explica.
Gustavo Arns destaca que este sentido é atribuído pelas próprias pessoas. “As coisas em si não têm um sentido, somos nós que atribuímos sentido às coisas. Essa é uma construção, onde nós vamos utilizar das nossas faculdades racionais, do nosso intelecto, para realmente dar um sentido e um significado para aquilo que nós estamos atravessando, para a partir daí, também encontrarmos mais satisfação”, disse.
O dinheiro, que é tido por muitos como sinônimo de felicidade, foi outro aspecto discutido pelos especialistas. De acordo com o economista José Pio Martins, o dinheiro é apenas uma ferramenta que ajudará a suprir necessidades fisiológicas, que possibilitarão satisfazer apenas demandas iniciais. “O dinheiro é apenas um vale que me dá direito de consumir um pedaço de tudo que a sociedade produz para satisfazer as quatro necessidades (água, alimento, abrigo e repouso), inicialmente, que sem as quais não consigo nada. Feito isto, o ser humano pode por meio do conhecimento, do estudo, do contato humano, da análise, sozinho ou com a ajuda profissional, ele pode colocar o seu cérebro no caminho da tomada de decisões e atitudes que levem à felicidade”, explica.
Mas o que fazer?
O que diferentes especialistas concordam nesta busca da felicidade em tempos de incerteza é que é preciso cuidar da saúde física e mental. “Ressalto a importância de frequentar a terapia para poder lidar com esses sentimentos com a ajuda de um profissional, mas, além disso, realizar atividades que gerem uma sensação de prazer é valioso para a nossa saúde mental. Uma dica que pode colaborar também a encarar esse período de incerteza é contar com a companhia de um cachorro, essa convivência é extremamente benéfica para a alegria mental”, sugere o psicólogo Alexander Bez.
Essa incerteza gerada na pandemia faz com que muitos tenham a sensação de que não há mais controle na vida, o que pode trazer problemas psíquicos. Contudo, o psicólogo aconselha que nestes tempos é preciso tentar retomar algum controle. “Uma das dicas que podem ajudar a lidar com as incertezas é focar no que podemos controlar. Como a ansiedade é consequência dessa sensação de não ser capaz de ter o controle da situação, quando nos concentramos somente no que temos certeza, essa sensação de ansiedade pode ser amenizada. Por exemplo, não temos controle de quando a pandemia irá acabar, mas podemos ter um controle do que iremos fazer no dia, focar nessa segunda opção ajuda a não ficar com o sentimento de angústia sobre o que irá acontecer”, explica.
O psicólogo alerta que as pessoas não podem depender de circunstancias exteriores para buscar a felicidade. “A felicidade é um sentimento que sempre tem que vir do meio interno para o meio externo. Mesmo nos momentos de incerteza é possível continuar procurando a felicidade, exatamente porque ela tem que partir de nós mesmos, não podemos depender de situações externas para manter a nossa alegria”, afirma.
O autocuidado ainda é um grande trunfo para a busca da felicidade. “É importante em primeiro lugar estar bem consigo mesmo, ter a consciência do que quer e não quer, trabalhar a autoestima e buscar não se abater por considerações externas. Para buscar a felicidade, é necessário acima de tudo cuidar de você mesmo, fazer exercício físico, ter uma boa noite de sono, fazer atividades de lazer que gostamos com frequência, tudo para trabalhar a nossa saúde mental e então buscar a felicidade”, disse.
Filosofia
Na live, o professor Daniel Medeiros trouxe conceitos filosóficos sobre o que é a felicidade e como buscá-la. Entre filósofos trazidos ao debate estão o filósofo grego Epicuro, que via a busca do prazer e satisfação por meio do discernimento, e do filósofo Espinoza, que dizia que a felicidade era algo escolhido. Medeiros destacou que a busca da felicidade é um caminho desafiador. “A felicidade não é fácil, mas ela é possível”, disse.
Brasileiros ficaram mais tristes segundo relatório da ONU
Perdas de familiares e amigos, preocupações com pessoas próximas e dificuldades no cotidiano, desde a vida social até a vida financeira, tem sido parte do cotidiano das pessoas desde o ano passado, quando os primeiros casos de Covid-19 foram registrados no Brasil. Agora, pesquisas começam a trazer dados concretos sobre como a pandemia tem afetado diretamente na busca da felicidade.
Segundo o Relatório Mundial de Felicidade, publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com a empresa Gallup, o ano de 2020 foi desafiador em todo o mundo. As perdas de vidas por causa da doença e as consequências de diversos tratamentos, trouxeram questionamentos sobre a vida, alterando como as pessoas pensam seu modo de viver.
O resultado disso aparece principalmente no ranking global de felicidade, publicado no relatório. O Brasil, por exemplo, ficou mais triste. No ranking, o país perdeu 12 posições, ficando em 41º lugar.
De acordo com o psicólogo Alexander Bez, os momentos de inconstâncias podem trazer manifestações psicológicas. “O sentimento de incerteza é um fator que aumenta a nossa ansiedade, exatamente porque queremos ter o controle da nossa vida e quando isso não acontece a nossa saúde mental pode ser afetada. Mesmo pessoas que não tinham histórico anteriormente, por medo e preocupação pela situação acabaram sofrendo com esses sentimentos. Além da ansiedade, a depressão também foi uma das doenças que se intensificou para muitas pessoas durante a pandemia”, disse.
Texto: Karin Franco e Letícia Torres
Foto: Pixabay