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Lei garante às gestantes direito ao trabalho remoto, mas não prevê o que fazer quando isso não é possível

Com apenas dois artigos, lei que afasta gestantes do trabalho presencial durante a pandemia do novo coronavírus traz lacunas em sua aplicação. Advogados trazem algumas soluções que podem garantir os direitos das gestantes

21/06/2021

Lei garante às gestantes direito ao trabalho remoto, mas não prevê o que fazer quando isso não é possível

Desde maio, as empresas são obrigadas a afastar as funcionárias gestantes do trabalho presencial e transferi-las para o trabalho remoto no período integral da gravidez. A obrigação tem causado questionamentos de empresários que não sabem como proceder, especialmente quando não há possibilidades de trabalho remoto. Segundo especialistas, há saídas para que o direito da gestante seja respeitado.

A lei nº 14.151/2021, de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), foi sancionada em maio e passou a valer imediatamente. Com apenas dois artigos, ela estabelece o afastamento da gestante durante a pandemia, sem prejuízos à remuneração. A lei ainda destaca que a empregada afastada poderá exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Como a lei não abre exceções, empresários apontaram que há uma lacuna na lei, especialmente não trazendo a previsão de casos onde a funcionária desempenha uma função que não é possível realizar remotamente.

Para a empresária e contadora, Luciana Pavelski, era preciso elaborar mais a lei. “O governo sancionou a nova lei (superficial em seus dois únicos artigos) sem pensar em como lidar com as funções que não podem ser exercidas remotamente e não disciplina a questão, imputando às empresas uma responsabilidade objetiva sobre uma condição (a pandemia)”, disse.

Ela explica que a lei pode gerar um impacto grande para as empresas que precisam garantir o salário das funcionárias e, ao mesmo tempo, contratar outra pessoa não gestante para desempenhar a mesma função. “Nessa lei, o ônus ficou somente para o empresário, daí surge uma questão de impacto profundo no já enfraquecido sistema produtivo: de quem seria a responsabilidade pelo pagamento dessas funcionárias que não podem trabalhar remotamente?”, questiona.

A empresária ainda destacou que as empresas já adotaram um protocolo de segurança e higienização para diminuir os riscos de contágio. Além disso, a vacinação de gestantes também já foi iniciada. “A medida embora extremamente importante do ponto de vista social, não pode, de antemão deixar de levar em consideração a saúde financeira que o mercado vem enfrentando, sendo cada dia mais difícil manter os postos de trabalho”, conta.

Mesmo assim, a empresária e contadora aponta que tem tentado encontrar saídas para o cumprimento da lei, assim como orientado clientes sobre o afastamento. Entre as possibilidades está a suspensão dos contratos. “Em último caso teria a utilização da MP 1045 que possibilita a suspensão do contrato de trabalho, estando ciente de que essa opção pode acarretar problemas, pois a lei nº 14.151 é clara quando diz que ‘não pode haver prejuízo de salário para a gestante’ e, no caso da suspensão, teria de certa forma prejuízo, já que não será recolhido nesse período o INSS e nem o FGTS e há uma redução salarial de acordo com as regras do pagamento do benefício emergencial”, explica.

A solução também é apontada pela presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Irati, Sonia Mara Gerchevski, que indica observar as leis trabalhistas em vigor. “No caso de profissões que não permitem o trabalho não presencial ou à distância, deverão ser observadas e seguidas as leis trabalhistas em vigor, as MP’s editadas no período da pandemia, a exemplo da MP 1046/2021, que pode ser aplicada como alternativa, as convenções coletivas e outras regras que possam dar uma garantia”, disse.

A advogada Cláudia Trajano alerta que quem optar por este caminho, deve prestar atenção às regras do programa, já que o salário precisa se manter igual. “Em nenhuma hipótese poderá haver a redução da remuneração da funcionária gestante, devendo o empregador arcar integralmente com a diferença entre o auxílio recebido e salário devido”, explica.

Isso pode acontecer em casos em que a empresa teve receita bruta anual de mais R$ 4,8 milhões. Neste caso, apenas 70% do salário é coberto pelo Governo Federal. “Em caso de suspensão temporária do contrato, a empregada fará jus a 70% do que ela teria direito pela tabela do seguro desemprego, e a diferença de remuneração teria que ser arcada pelo empregador”, conta a advogada Rolse de Paula.

Além da suspensão do contrato, ela cita outros meios que podem ser usados. “Esse afastamento pode, de todo modo, ser pautado em medidas alternativas, como interrupção do contrato de trabalho, concessão de férias (coletivas, integrais ou parciais), suspensão dos contratos de trabalho (lay off), suspensão do contrato de trabalho para fins de qualificação (art. 476-A da CLT)”, diz.

Rolse ainda destaca que o empregador poderá adotar a concessão de férias, ainda que de forma antecipada. O procedimento está previsto na Medida Provisória Nº 1046, de 2021. “A concessão de férias não prorroga o período de estabilidade da empregada, o que acontecerá em caso de acordo de suspensão temporária do contrato de trabalho”, comenta.

A estabilidade da gestante também é um ponto enfatizado pelos advogados. Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a estabilidade é válida desde a descoberta da gestação até quatro meses após o parto. “A gestante tem estabilidade. Esse é o primeiro ponto, importante a ser dito. Em caso de demissão, tem estabilidade por todo o período da gravidez. Até mesmo depois do parto”, destaca a advogada Bruna Cavalcanti.

Ela reconhece que são poucas funções que conseguem ter o trabalho remoto, mas mesmo assim, orienta o empregador a avaliar qual a melhor decisão. “Essa função home-office é para uma camada restrita da população. Não é abrangente. São poucas profissões que podem trabalhar home-office. O que depende de trabalho presencial é indicado a suspensão do contrato de trabalho. Mesmo porque caso o empregador decida demitir, ele terá que indenizar o período correspondente. Isso não alterou em nada. É a estabilidade da gestante prevista na CLT”, diz Bruna.

Sem punição?

A lei sancionada no mês passado não prevê nenhum tipo de punição ao empregador que não a cumpra. Contudo, advogados alertam que o empregador que não cumprir a lei pode ser processado e ter que pagar indenização.

A presidente da OAB de Irati reitera que é preciso que as empresas busquem orientação profissional com advogados para ajudar a tomar decisões. Ela ainda destaca que em uma situação com lacunas na lei, a orientação é ponto principal para que irregularidades não sejam cometidas. “Sabemos que criação e aplicação de novas regras num estado de emergência podem obscurecer as noções de cuidados e riscos, que poderão incorrer em responsabilidades (administrativa, civil e criminal) no futuro”, disse Sonia Gerchevski.

Sem exceções

Como a lei não possui exceções, a advogada Cláudia Trajano destaca que o afastamento não pode ser negociado. “Não é dada ao empregador qualquer hipótese de exigir o trabalho presencial da empregada gestante, mesmo que ela concorde em trabalhar ou que já esteja vacinada”, conta.

Há ainda o alerta que a lei não diferencia empregadores pessoa jurídica e pessoa física. “Este afastamento se dará também no caso de empregadores pessoa física (para com as funcionárias cuidadoras, babás etc)”, afirma.

Grupo de risco

A advogada Bruna destaca que os direitos estão assegurados, especialmente porque a gestante é grupo de risco. “A esfera judicial tem processos. Tem pedido de dano moral. Tem pedido de antecipação de tutela para afastar a gestante porque inclusive o Ministério da Saúde já fixou que a gestante é mais suscetível a infecções em geral. Por isso, a decisão de incluí-las no grupo de risco. Gestante está em grupo de risco para tomar vacina. Ela está num grupo especial. Até pela chance de contágio e agravamento da doença”, explica Bruna.

Caso o empregador não cumpra o afastamento, os advogados afirmam que a gestante pode procurar por seus direitos. Inclusive se receber algum tipo de punição por ficar em casa. “Havendo qualquer descumprimento, ou desvirtuamento da lei, caso o empregador resolva punir as empregadas gestantes, o Judiciário atuará para corrigir essa distorção e, em tais situações, deve haver a prioridade no trâmite processual, com a concessão de tutela antecipada de urgência”, destaca a advogada Rolse.

Consequências

Apesar de a lei ter sido criada com o objetivo de garantir o direito das gestantes, há a preocupação que a nova legislação possa reduzir a participação das mulheres no mercado de trabalho. Com a obrigação de afastar gestantes durante os nove meses da gravidez, empregadores podem criar resistências à contratação de mulheres em idade fértil.

O especialista em Recursos Humanos, Alexandre Slivnik, reconhece que a lei pode ser impeditiva. “Infelizmente, existe sim um grande impacto de algumas empresas evitarem a contratação de mulheres jovens ou recém-casadas justamente pela possibilidade de não ter essa colaboradora por alguns meses”, disse.

Ele reconhece que a legislação irá impactar mais as pequenas empresas. “Principalmente pequenas empresas vão repensar o modelo de contratação, principalmente neste momento de incerteza. Nas pequenas empresas que acabam tendo sua gestão de custo muito mais firme e muitas delas passam por mais dificuldades”, afirma.

No entanto, Alexandre defende que reduzir a contratação feminina é um erro, já que as empresas podem acabar desperdiçando profissionais que em longo prazo podem dar um excelente retorno. “Qualquer mudança na lei prejudica a participação de trabalho em algumas empresas, só que por outro lado, outras empresas se beneficiam disso porque muitos talentos estão no mercado de trabalho disponíveis e boas empresas que tem bom processo de recrutamento de seleção estão captando esses talentos. Mesmo que fiquem três, quatro, cinco, seis, sete meses afastados. Por quê? Porque quando tudo voltar ao normal eu vou ter um talento ainda mais engajado para a causa da minha empresa”, afirma o especialista em Recursos Humanos.

Suspensão de contrato

No dia 27 de abril de 2021, o Governo Federal relançou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que permite a suspensão e a redução de salário para ajudar a manter os empregos. O programa neste ano ocorre no mesmo molde do ano passado.

Os trabalhadores que estiverem no programa receberão o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, gerenciado pelo Ministério da Economia. O valor da porcentagem que será recebida é calculado de acordo com o valor do seguro-desemprego que o empregado tem direito.

No caso de suspensão de contrato, o empregado receberá 100% da parcela do seguro-desemprego. O valor pode variar entre R$ 1.100 a R$ 1.911,84. Empresas com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões poderão suspender contratos apenas com o pagamento de uma ajuda compensatória mensal no valor de 30% do salário. Neste caso, o empregado também receberá 70% do valor do seguro-desemprego, vinda do benefício.

O programa ainda garante estabilidade do empregado após o término do período de suspensão. A estabilidade deverá ser de acordo com o tempo em que o contrato for suspenso. Por exemplo, se o contrato foi suspenso por dois meses, a estabilidade do empregado será de dois meses após a volta à função. Nas gestantes, a estabilidade é garantida desde o início da gravidez até os primeiros quatro meses após o parto.

Texto: Karin Franco e Letícia Torres

Foto: Pixabay 

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