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Índios kaingangs retomam a rotina de vida e de venda de artesanato em Irati

Líder indígena relata como foi o período de isolamento na pandemia, quando todos permaneceram na aldeia em Manoel Ribas e enfrentaram dificuldades por não poderem vender seus produtos artesanais.

01/09/2021

Índios kaingangs retomam a rotina de vida e de venda de artesanato em Irati

Devido à pandemia, a Casa de Passagem Indígena de Irati ficou fechada entre os meses de maio de 2020 e julho de 2021. Neste período, os índios da tribo Kaingang que residem em uma aldeia no município de Manoel Ribas e costumam vir a Irati para comercializar seus produtos artesanais não foram mais vistos.

“Nesse período em que ficamos somente na aldeia, a Funai [Fundação Nacional do Índio] ajudou com cestas básicas, não era muita coisa, mas deu para nos mantermos. Não tinha como comprar roupa e as coisas que a gente precisa no dia a dia, aguentamos assim até poucos dias atrás e agora que começaram a liberar o pessoal, depois de todos se vacinarem”, conta Antoninho Crispim, líder dos indígenas Kaingang de Irati.

A pedagoga que coordena a Casa de Passagem, Alessandra Colesel, explica que as definições tanto de fechar, como de reabrir o espaço foram tomadas em conjunto entre o poder público e os índios.  “A vacinação dos indígenas ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2021, optamos por reabrir a casa somente agora que a pandemia não está em alta, porém estamos sempre reavaliando e dialogando com as lideranças da Casa e da aldeia quanto às medidas de prevenção e cuidados necessários para circulação deles na cidade”, disse Alessandra.

“Nós estamos em Irati há bastante tempo, no teatro não era fácil ficar para poder vender nossos artesanatos, a casa de passagem ajuda muito”, afirma Antoninho Crispim. Ele relembra as dificuldades da falta de energia, água, banheiro e enfatiza que Irati recebe, ajuda e respeita os indígenas que passam pela cidade.

Ele relata que os índios já tiveram seus pertences (colchões, comidas, panelas) furtados ao se dirigirem para a aldeia, na época em que ainda ocupavam o teatro.

“No dia seguinte – parece que Deus ajuda quando a gente está trabalhando –, encostou um carro perto do teatro e um casal veio falar comigo, era a secretária de Assistência Social, a Sybil, ela perguntou o que eu estava precisando e eu disse que ela chegou numa hora boa porque precisava meio de tudo. Ela conseguiu as coisas básicas para mim e começou a conversar perguntando se uma casa de passagem seria bom para nós”, relata o indígena. Antoninho disse à secretária que seria muito interessante, pois no teatro não tinham condições básicas para viverem dignamente.

Quando a Prefeitura de Irati inaugurou a Casa de Passagem Indígena, dia 05 de dezembro de 2019, outro desafio relatado por Antoninho foi convencer todos a saírem do teatro. “Teve algumas pessoas que queriam continuar no teatro e montar uma aldeia”, relembra, comentando o trabalho que teve para convencê-los. “Consegui convencer todos e estamos aqui nessa casa que tem tudo o que precisamos. Irati é uma das poucas cidades que nós atende bem, dá valor para nós, mesmo quando não tinha a casa, eu falo para a Assistência Social que não tenho como agradecer, mas eles falam que não preciso porque é dever deles de ajudar nós, não é qualquer cidade que faz isso que Irati faz pelos índios”, frisou Antoninho.

Após a definição e aprovação do local da casa pelos indígenas, a gestão da Secretaria de Assistência Social foi até a aldeia para organizar as regras de convivência e acesso. A pasta destaca a importância de um acolhimento seguro que visa garantir a dignidade e respeito à população indígena que passa pelo município.

“Percebemos que a presença indígena na cidade acaba incomodando algumas pessoas, ainda não habituadas aos modos e costumes deles viverem. Porém, existem também aqueles que acolhem, doam alimentos, roupas e o mais importante compram os artesanatos produzidos pelas mãos indígenas”, disse Alessandra.

Segundo Antoninho, em Irati, a maioria das pessoas resta os índios, mas há exceções.  “Quando mudamos para a casa de passagem teve umas pessoas que passaram na rua xingando e dizendo que estamos morando de graça na casa da prefeitura, mas não respondemos nada porque Deus está vendo, isso foi uma luta nossa e estamos trabalhando para viver aqui”, relata.

Preservação da cultura e venda do artesanato

“Se eu andar de cidade em cidade, mesmo que não ganhe muito dinheiro, para mim é bom se estiver mostrando a minha cultura para as pessoas, isso já muito bom, é isso que queremos”, afirma Antoninho.

Com o artesanato Kaingang, buscam deixar a marca indígena nos locais por onde passam. Em Irati, permanecem por um período de 30 dias. Atualmente um grupo de cerca de 20 pessoas fica na cidade comercializando os produtos artesanais, enquanto outro grupo permanece na aldeia fazendo mais material para vender.

“Se for ver nossos antepassados sofreram muito para manter a cultura. Hoje o que mudou muito os indígenas foi a escola, em Maringá tem a universidade para os índios, mas eles não deixam de fazer danças lá dentro, isso é bom, porque não podemos deixar morrer nossa identidade em nenhum lugar que vamos”, disse Antoninho, contando que ao andarem na rua, por exemplo, falam na língua Kaingang.

Mesmo vivendo dentro do contexto da cidade, eles dizem que preservam o orgulho das raízes indígenas.  “Nós mantemos nossos costumes, na casa tem fogão, mas alguns gostam de fazer fogo no chão do lado de fora, cedo já estão em roda do fogo tomando café”, conta.

Alessandra Colesel, pedagoga e coordenadora da Casa de Passagem Indígena, ressalta que a sociedade precisa compreender a necessidade de inclusão dos indígenas sem que eles percam aspectos culturais característicos do seu modo de vida, como a língua, alimentação e artesanatos.

“Seria uma hipocrisia nossa achar que a cultura indígena ficaria distante e sem acesso ao desenvolvimento, sendo que eles não vivem isolados na mata e algumas etnias como a Kaingang tem como modo de sobrevivência o trânsito pelas cidades para comercialização do seu artesanato”, disse Alessandra.

Dia do Índio

Todos os anos no dia 19 de abril, Dia do Índio, as aldeias fazem grandes festas, neste ano a pandemia não permitiu que fosse realizada, por isso, os indígenas estão se organizando para fazer a Festa do Índio no dia 12 de outubro, são vários dias de festas com competições, danças e comidas.

Pandemia

A aldeia em Manoel Ribas fica a cinco quilômetros da cidade e muitos ficaram preocupados  com os riscos de contaminação do pelo coronavírus, por isto, seguiram isolados até a chegada das vacinas.  Segundo Antoninho, não houve nenhum contaminado na aldeia.

As famílias indígenas que tinham crianças na escola tiveram que deixar os filhos em casa. Assim como em todas as outras escolas públicas do estado, e a equipe da escola indígena também levou atividades impressas para os alunos durante este período. Na aldeia de Manoel Ribas há uma escola com ensino fundamental e médio, composta por professores da rede municipal e estadual, e professores indígenas que auxiliam no aprendizado da língua e da cultura Kaingang.

“O Kaingang é a língua ensinada às crianças dentro da aldeia. Na escola que vão aprender o português, lá as crianças vão praticar as duas línguas, a de origem e a língua portuguesa”, conta Antoninho.

Com o retorno das aulas presenciais os alunos são autorizados a ficar com os pais 15 dias fora da aldeia e 15 dias têm que ficar na aldeia para participar das aulas.

Texto: Cibele Bilovus e Letícia Torres

Fotos: Cibele Bilovus/Hoje Centro Sul

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