10/02/2025
Em Irati, aos pés da imagem de Nossa Senhora das Graças de 22 metros de altura, Cleni Muller agradece pelo ano que passou e pede graças para o novo ano. “Já volta a rotina das aulas, por isso passamos aqui para agradecer e pedir proteção ao novo ciclo”, comentou a devota na semana passada. Ela conta que enfrentou um câncer de pele, um melanoma agressivo há dez anos, ocasião em que pediu muito para Nossa Senhora e para Deus que desse tudo certo. A cirurgia foi tranquila e Cleni não precisou nem realizar quimioterapia na época. Recentemente ela descobriu um novo câncer, está fazendo o acompanhamento. “tenho fé que nem vou precisar operar”, diz Cleni.
Ela acredita que a devoção a Nossa Senhora das Graças foi herdada de sua mãe Cilene. Juntas, todos os meses elas costumam levar os problemas aos pés da Santa. Então relatam que sentem um alívio e ficam em paz. Desde criança, Cleni visita o lugar. Iratiense nascida e criada na cidade, lembra que no início vinha andando lá do bairro Rio Bonito até a Colina Nossa Senhora das Graças, popularmente conhecida como “Morro da Santa”. Além de percorrer a pé o longo trajeto entre os bairros, elas costumavam chegar até a imagem através da escadaria. “Chegava aqui eu subia toda a escadaria. Hoje já mudou isso, a gente vem de carro, até por conta da mãe que já está mais idosa”, conta. Cleni e sua mãe vão à colina uma vez no mês, e também gostam de assistir às missas que acontecem no local.
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Cilene diz ser uma pessoa abençoada, argumenta que não existe um problema que não seja resolvido com a bênção de Deus e Nossa Senhora. Ela conta que desde pequena ia na igreja. “Mesmo morando no interior e com dificuldades, minha mãe nunca deixou a gente faltar à missa”, relembra a Cilene, acrescentando que tenta passar o mesmo interesse pelo catolicismo aos filhos, netos e bisnetos. “É ela, Nossa Senhora que resolve as coisas para a gente”, acredita Cilene.
Irene Slavik também acredita no poder da Santa e intercede pelos familiares. “Eu gosto muito de ir à missa, sempre que dá eu vou, se eu pudesse vinha todo dia”, ressalta Irene sorrindo. Ela tem 18 netos, 11 bisnetos e diz que sempre reza e pede intercessão de Nossa Senhora por todos.
Para si, busca através da religião e da fé ajuda para minimizar as dores nas pernas.
Quando não consegue ir à colina de Nossa Senhora das Graças pedir bênçãos, Irene conta que vai até a igreja Perpétuo Socorro ou a Nossa Senhora da Luz. E também costuma agradecer. “Eu agradeço por passar o coronavírus e não ter levado ninguém da minha família”, diz.
Matrimônio diante de Nossa Senhora das Graças
Caroline Less e Cristhian Emanuel Czelusniak casaram diante de Nossa Senhora das Graças em 2020. A cerimônia aconteceu na capela que fica abaixo da Santa.
“Eu pedi muito à Nossa Senhora a graça da concretização do sacramento do matrimônio, como era pandemia, eu busquei algo bem singelo, a própria capelinha aos pés de Maria era algo singelo”, comenta Caroline.
Ela é paulista, criada na cidade de Itapetininga, mas sempre vinha passar as férias na casa dos avós em Irati e tinha o hábito de visitar a santa.
Algo que chama a atenção do casamento de Caroline e Cristhian é a questão de ela ter se casado no dia de São Vicente, dia 27 de setembro, pois como a mesma fala, toda a história da capela se origina com os vicentinos. “Não foi algo proposital, foi o dia que deu certo para casar, mas são coisas que ficaram interligadas”, argumenta Carol.
Construção da imagem
João Salim Chami, vice-presidente da Comissão da Colina Nossa Senhora das Graças, comenta que a ideia da construção do monumento surgiu em uma conversa na sala dos professores no Colégio São Vicente de Paula. Em suas pesquisas, baseadas nos relatos do jornalista e professor Jorge Garzuze, diretor do Jornal Correio do Sul, a proposta era construir um monumento em comemoração aos 50 anos de Irati.
Mas por que uma santa como homenagem do Município? Segundo o historiador e professor João Carlos Corso, do Departamento de História da Unicentro e diretor do Centro de Documentação e Memória (Cedoc), essa questão é relacionada com a própria religiosidade do município. “Naquele momento ainda era muito forte a questão do catolicismo na cidade, estamos falando de 1950, tanto aqui em Irati quanto no país todo, a religião se fazia muito presente. Então se decide em homenagem à cidade fazer o monumento”, explica Corso.
A imagem possui em torno 22 metros, por muitos anos foi o maior monumento à santa do Brasil e atualmente é a segunda imagem de Nossa Senhora das Graças mais alta do país. A primeira fica na cidade de Laurentino, em Santa Catarina, tem 25 metros e foi inaugurada em 2017.
Corso destaca que os moradores de Irati têm orgulho do monumento e para a maioria das pessoas, “o que importa é toda história por trás da construção e não o seu tamanho”.
Mas por que Nossa Senhora das Graças?
Um questionamento realizado por muitos é por que a escultura de Nossa Senhora das Graças, se a padroeira da cidade é a Nossa Senhora da Luz?
O historiador João Carlos Corso cita que o custo para se fazer Nossa Senhora da Luz seria muito mais alto, por conta de que ela carrega o menino Jesus, o que daria mais trabalho ao escultor e a questão de engenharia de como fazer esta estátua, no geral, seria muito difícil de concluir. Fazer Nossa Senhora das Graças seria algo mais fácil, talvez tenha sido esse o motivo da escolha.
João Salim Chami concorda com o fato da confecção mais fácil, mas acrescenta que outro motivo importante é que a população iratiense já tinha uma grande devoção pela santa.
E o historiador João Carlos Corso ainda aponta a vinculação que Nossa Senhora das Graças tem com os vicentinos – que são leigos e voluntários que se dedicam a ajudar os mais necessitados, oferecendo apoio material, moral e espiritual.
Em Irati existem inúmeros vicentinos, exemplo disso, de acordo com o historiador, é a existência desde a década de 30 do Colégio São Vicente (hoje faculdade) e das irmãs vicentinas do Colégio Nossa Senhora das Graças, que foram influentes na religião, na educação, na saúde e em outros setores. “A cidade foi marcada pela presença dos vicentinos, o hospital, a Santa Casa de Irati tem o seu início com os vicentinos, então você tem uma série de coisas que tem relação direta com os vicentinos, que eram os padres que tanto tinham o comando das paróquias, como tinham as escolas, os padres e as freiras”, explica Corso.
Na história dos vicentinos, a conexão com Nossa Senhora das Graças é marcante porque a santa apareceu para uma noviça vicentina chamada Catarina Labore.
A diferença de adorar e venerar
O padre Nilson explica que há diferença entre adoração e veneração. “A adoração só é realizada exclusivamente a Deus, sendo ele digno de toda adoração, louvor, honra e glória”. Para o padre, venerar é um reconhecimento, é saber o lugar e importância que Maria teve na história da salvação. “Ela está acima de todos os santos, por ser escolhida e fazer as vontades de Deus”, esclarece.
Muitas das graças recebidas na visão do pároco vêm da invocação e intercessão de Maria, junto aos santos.
Fé, graça e milagre
O monumento de Nossa Senhora das Graças também pode levar a reflexões espirituais sobre fé, graça e milagre, segundo as convicções do catolicismo.
O padre José Nilson Santos, pároco da igreja do perpétuo Socorro em Irati, explica que a fé é uma convicção, uma adesão a algo que é legitimamente verdadeiro, é uma confiança absoluta em algo.
Para o padre existe uma diferença entre milagre e graça. Segundo ele, a graça é recebida quando você pensava que algo que pediu muito não ia acontecer mais e isso acaba se realizando, como uma cura, uma gravidez. Já o milagre é quando a pessoa entende que foi concedida a ela uma graça e que agora ela precisa mudar de vida e aceitar a Deus. “Quando há uma abertura da pessoa que foi favorecida por uma graça, uma volta, uma busca em Deus isso é milagre. Se não ela foi só receber um favor, uma cura, mas não milagre”, define o padre José Nilson.
Já a historiadora Rose Mendes acredita que as questões da crença, são para que as pessoas sintam um certo medo no que pode acontecer no mundo pós vida. “Todos precisamos acreditar em algo aqui na terra, acreditar nessa força de fora para conseguirmos nos respeitar”, diz Rose.
Curiosidades
- A imagem foi inaugurada em 16 de setembro de 1957;
- A 1ª missa foi realizada em 24 de outubro de 1957; rezada pelo padre Manoel Gomes Pereira, diretor do Colégio São Vicente de Paulo;
- A imagem pesa 100 toneladas;
- Para ser erguida, foi dividida em 70 peças e transportada para o município de caminhão;
- A escadaria tem 197 degraus. A do Cristo Redentor, em comparação, tem 220;
- O padre Rui do Carmo Pereira foi quem procurou um artesão para fazer a santa;
- A Santa e seu entorno já passaram por várias revitalizações.
Ana Mattos, com edição de Letícia Torres