Entre o céu e a terra: como diferentes religiões entendem a morte e a continuidade da vida

Catolicismo, Espiritismo e Umbanda compartilham visões distintas sobre o fim e o recomeço, e de como a fé ajuda a lidar com a perda, a finitude e o sentido da existência, especialmente no Dia de Finados
No Dia de Finados, o silêncio dos cemitérios se mistura a orações, lembranças e reflexões sobre o sentido da existência. Mais do que uma data de luto, é um momento de reencontro com a fé e com as diferentes formas de compreender a morte.
Neste sentido, as doutrinas cristã, espírita e umbandista ensinam sobre a passagem para o mundo espiritual e o valor da vida terrena.
A morte como passagem: o que cada religião ensina
Para a fé cristã, dentro do Catolicismo, a morte é vista como uma necessidade natural de todo ser humano. “Nós nascemos, vivemos, passamos por essa experiência aqui na Terra, de forma física, biológica, psíquica e espiritual, mas tudo tem um fim”, explica o diácono permanente, Agostinho Basso, da diocese de Ponta Grossa. Ele ainda menciona que São Francisco a chamava, inclusive, de ‘irmã morte’.
Basso afirma que a grande novidade trazida por Jesus Cristo é que Ele venceu a morte através da Ressurreição, cumprindo a promessa de preparar um lugar para os seus. “Depois daquele dia, todos nós morreremos na esperança e na certeza da ressurreição porque cremos em Jesus e o batismo nos torna filhos de Deus, membros da igreja e herdeiros do céu. A morte, para o católico, significa ‘Páscoa’ – passagem – ninguém fica na passagem e se passa, passa para uma nova vida”.
A vida eterna é uma certeza, de acordo com o diácono. “Cremos que as pessoas que vivem dignamente, santamente – e o que é ser santo – é fazer a vontade do Pai, a vontade de Deus, seguir os mandamentos, ser bom e escolher o bem”. A doutrina católica ensina que, no momento do último suspiro, o indivíduo passa pelo juízo particular, sendo julgado conforme suas ações, o amor transmitido e o bem que executou em vida. É essa avaliação individual que define a possibilidade de estar com Deus logo após a morte.
A Doutrina Espírita crê que o homem precisa de várias experiências na Terra para evoluir. “Em uma única vida seria impossível ter todo o aprendizado necessário”, afirma, Rejane de Almeida Franco Szereda, do Centro Espírita Sepeasi – Casa do Curador.
“Não chamamos de morte e, sim, desencarne, porque o espírito é imortal e o que ele deixa ao partir, é apenas a veste carnal, ou seja, a roupa de carne que ‘vestiu’ para poder experienciar neste plano”. Segundo Rejane, o tempo de vida também é determinado pela ‘colheita do espírito’, pois para cada ação há uma reação.
Essa visão de continuidade ajuda a lidar com o luto. “Sabendo que ‘morrer’ é apenas despir-se das vestes carnais, para então seguir uma nova jornada em outro plano, não devemos jamais temer este momento ou desesperar-se por aqueles que partiram. Obviamente que dói a separação, a saudade… Todos vivem um momento de luto, mas, a doutrina espírita nos ensina que esta separação é apenas temporária, pois um dia nos reencontraremos novamente”.
Na Umbanda, a passagem é vista como um ciclo necessário. Pai Leandro de Oya, dirigente da Tenda de Umbanda Caboclo 7 Flechas, enfatiza que, dentro da diáspora da Umbanda, a palavra morte é dificilmente utilizada. Ele explica que a doutrina entende o desencarne como uma passagem, que é apenas o desprendimento do espírito da matéria.
“É um ciclo que precisou ser encerrado neste plano para que, no outro plano, este espírito possa evoluir, por meio das reencarnações e, assim, drenar os seus carmas e tudo mais. A Umbanda vê como um processo de evolução, de desenvolvimento. Costumamos dizer que somos espíritos de luz vivenciando uma experiência humana aqui na Terra”, resume Pai Leandro.
Para lidar com a perda, a ancestralidade é o suporte. “Dentro da Umbanda, são nossos guias espirituais que nos dão toda a base que a gente precisa para essa compreensão e entendimento de tudo, sobre essa evolução. É quando recebemos o abraço e o passe mediúnico de um preto velho ou de um caboclo, é nesse momento em que nos conectamos com toda a nossa ancestralidade e eles nos dão todo o suporte que necessitamos para vivenciar esse cotidiano”.
Ele detalha que essa vivência na Umbanda é a forma como se aprende, junto com estes mentores que ensinam e fazem entender que o processo da morte faz parte do ciclo e que a passagem deve ser compreendida de maneira menos dolorosa. Depois de desencarnados, segundo ele, todos nos encontramos novamente na casa do grande Pai e que a espiritualidade acalenta os corações diante de uma perda, de um desencarne de alguém próximo.

O impacto da fé no desapego material e nas escolhas de vida
A crença na vida após a morte influencia diretamente a forma como os fiéis se relacionam com os bens materiais, a ganância e a busca por status. O Catolicismo orienta a buscar as coisas do alto, “onde a traça não corrói, a ferrugem não destrói.” O diácono relata a parábola do homem que acumulou nos celeiros e foi chamado de ‘louco’ por Deus. “Jesus quis alertar que devemos usar e administrar as coisas materiais, como dinheiro, posses e terrenos, mas com a clara determinação de que a matéria e o valor econômico não são a palavra final. Os bens não podem, por si sós, garantir o céu, a vida eterna, a paz e a alegria perfeita, que só são encontradas em Deus”.
Ele reforça que o acúmulo não traz felicidade plena. “Se fosse assim, artistas, cantores e atletas famosos, por exemplo, não cometeriam suicídio e nem entrariam em depressão, [usariam] drogas, bebidas e vícios. Nossa maior riqueza é termos certeza que somos amados por Deus e que Ele nos escolheu, nos chamou pelo nome, que tem um plano de salvação para nós e, um dia, estaremos com ele na eternidade”.
Na Doutrina Espírita, a matéria é vista como um risco. “A matéria acaba por corromper almas, pelos prazeres que pode proporcionar. Perdemos tempo de vida e saúde correndo atrás de bens materiais, muitas vezes, muito além do que necessitamos, e esquecemos ou deixamos em segundo plano, cuidar da nossa espiritualidade, do nosso espírito, que é o objetivo de todos neste planeta, pois só assim, estaremos mais próximos de Deus”, define Rejane.
O foco deve estar no que o espírito leva consigo, de acordo com ela. “Partindo deste plano através do desencarne ou ‘morte’, levaremos apenas os bens conquistados pelo espírito, sejam eles bons ou ruins, ou seja, a caridade que exercemos, o amor que manifestamos, a fé sincera que professamos, os ensinamentos verdadeiros que repassamos. Mas, podemos também, levar os ódios, as mágoas, o mal que causamos aos semelhantes… Isso tudo é verdadeiramente o ‘patrimônio’ do espírito e é o que levaremos conosco”. Rejane reforça que as conquistas materiais ficam aqui.
Para a Umbanda, a certeza da evolução exige caridade e empatia no presente. “Quando entendemos que essa passagem de plano é necessária para nosso desenvolvimento, enquanto umbandistas, é onde procuramos sempre levar a frente o amor e a caridade, que são os princípios da umbanda, ajudar o próximo, o auto perdão e o perdoar o próximo. Ao entender isso, se aprende que as decisões e atitudes que são tomadas durante a encarnação fazem toda a diferença na evolução individual”, diz. “Aprendemos a olhar a vida de outra forma assim, que coisas simples são mais importantes, que ter empatia pelo próximo é essencial para nossa existência”, conclui Pai Leandro.
Dia de Finados: celebração, oração e reencontro
O 2 de novembro é uma data reservada para a memória e reverência, mas vivida de diferentes formas em cada doutrina. No Catolicismo, a data é um momento solene de oração e devoção pelos fiéis falecidos. A Igreja celebra a Missa de Finados em sufrágio das almas, pedindo a Deus que conceda a salvação e o descanso eterno aos que já partiram. É um dia de esperança na ressurreição e na promessa de vida eterna, em que os católicos visitam os cemitérios para rezar junto aos túmulos e manifestar a crença na comunhão dos santos (a união entre os vivos e os que já estão em Deus).
Para o Espiritismo, a data é um momento de vibrações de amor. “Ao lembrarmos dos nossos amigos ou entes queridos que já partiram, lembremo-nos dos bons momentos vividos junto a eles. Quando a saudade apertar, ore por eles, mentalize o abraço que não conseguiu dar, fale em pensamento da saudade e do amor que sente, mas sem sofrimento, apenas para mostrar o quanto foram importantes, e com certeza, eles receberão através das vibrações a mensagem. Estamos sempre caminhando juntos, uns do lado de cá e outros do lado de lá e chegará o dia em que novamente poderemos ver aqueles que partiram, ainda que deixem saudades nos que ficarem. A vida é assim, feita de reencontros e despedidas!”, salienta Rejane.
Na Umbanda, o Dia de Finados é visto como uma celebração e homenagem aos ancestrais. “Para nós da Umbanda, o Dia de Finados não é a única data que reverenciamos nossa ancestralidade. Respeitamos a data cristã, porém dentro da nossa ritualística, essa referência é feita no decorrer de todo o trabalho, de todas as reuniões que fazemos e encontros dentro do terreiro. O Dia de Finados é como uma celebração, uma homenagem aos nossos ancestrais. Em minha casa não fazemos trabalho mediúnico nesta data, mas ficamos em vigília, em orações para reverenciar e agradecer nossa ancestralidade, entes queridos e amigos que já se foram para a nova morada, para a casa do Pai”.
A vida abundante com o legado do amor
A vivência da fé, seja na certeza da ressurreição, na evolução espiritual ou na força ancestral, convida o fiel a uma existência pautada no bem, na caridade e no desapego.
O diácono encerra citando Santo Agostinho de Hipona sobre a busca pela verdadeira riqueza: “Tarde Te amei, ó beleza infinita, como pude eu buscar tão longe aquilo que estava, a todo tempo, dentro de mim?”. Ele finaliza com a certeza da vida eterna. “A morte é apenas uma fase, não perdura. Com ela é que começa a vida em abundância, a vida eterna. Cito Agostinho novamente: a morte não é nada, eu apenas passei para o outro lado. Não me chame de palavras fúnebres, não usem adjetivos tristes para se dirigir a mim. Lembre das coisas que me fazem rir, conversem comigo, lembrem com saudade do tempo em que estive com vocês. Por que eu não estaria junto de vocês, só porque não estou no alcance dos seus olhos? Eu apenas passei para o outro lado”.
Pai Leandro de Oya, dirigente da Umbanda, deixa um conselho sacerdotal que ecoa o ensinamento das três religiões: “Que aprendamos a valorizar mais os momentos com quem amamos e que perdoemos os desafetos. É importante se perdoar, mas também perdoar as pessoas para que possamos ter uma vida mais tranquila com mais amor e carinho. Que aproveitemos mais a existência, os momentos em família e com amigos, para que o dia de Finados não seja, para ninguém, uma data de sofrimento, e sim, de celebração de quem se foi, mas com alegria e boas recordações”. O umbandista observa que muitas pessoas, enquanto têm seus entes queridos em vida aqui na Terra, transitam na discórdia, rancor e mágoa e, quando alguém parte daqui, fica o arrependimento destes atos.
Horários diferenciados nos cemitérios municipais para o Dia de Finados
A Prefeitura de Irati, por meio das Secretarias de Meio Ambiente e de Administração, informa que, em razão do Dia de Finados, até o domingo (02), os cemitérios municipais terão horários de funcionamento estendidos, permanecendo abertos das 7h às 18h. A partir desta sexta-feira (31), será permitida apenas a visitação, visando garantir a organização e segurança dos espaços para o feriado de Finados.
Fernanda Hraber
