Entre luta e esperança: APAEs se mobilizam pela inclusão

Instituições defendem a liberdade de escolha das famílias e a qualidade de vida dos alunos, diante da ADI 7796, que pode restringir recursos públicos para as APAEs e prejudicar este atendimento especializado
A Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, celebrada de 21 a 27 de agosto, traz debates e ações sobre inclusão, direitos e valorização da vida. Nesta semana, as APAEs de Irati, Mallet, Rio Azul, Rebouças, Teixeira Soares e Fernandes Pinheiro promoveram uma programação especial, marcada pela mobilização social e pela celebração da inclusão.
Mais do que eventos simbólicos, como os 31º Jogos Recreativos Regionais das APAEs e atos públicos em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, as ações ocorrem em um momento de alerta: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7796, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, levanta a possibilidade de restringir o repasse de recursos públicos para instituições especializadas, como as APAEs. Caso seja considerada procedente, a medida poderia inviabilizar parte do atendimento oferecido pelas entidades em todo o país.
O papel da APAE

Gislaine Gomes, diretora da APAE de Irati, explica que a instituição é muito mais do que uma escola. “A APAE tem um papel fundamental na promoção da educação, saúde e inclusão social das pessoas com deficiência intelectual e múltipla. Mais do que uma escola, somos uma rede de apoio que acolhe o aluno e sua família, oferecendo acompanhamento especializado, orientação e oportunidades de desenvolvimento, autonomia e qualidade de vida”, explica a diretora.
Atualmente, a APAE de Irati atende 159 alunos, entre crianças, adolescentes e adultos, que participam de diferentes programas nas áreas de educação, saúde e assistência social. O grande diferencial, segundo Gislaine, é o atendimento especializado e individualizado. “Nossos profissionais são capacitados para trabalhar com diferentes tipos de deficiência, utilizando metodologias adaptadas, recursos de acessibilidade e terapias complementares. Além da parte pedagógica, oferecemos suporte multiprofissional — fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia, psiquiatra, entre outros — algo que a rede regular não consegue oferecer na mesma amplitude”.
Sobre os eventos da semana, a diretora relata que estava agendado um ato público que reuniria as APAEs da região na Rua da Cidadania na quarta-feira, dia 20, mas devido à chuva, a mobilização será remarcada. O objetivo é conscientizar a sociedade acerca dos direitos das pessoas com deficiência, reforçando a importância da inclusão em todos os espaços sociais. “Este momento representa uma ação de visibilidade, união e sensibilização da comunidade em prol da causa. Ressaltamos, ainda, nossa posição contrária à ADI 7796, por compreendermos que tal medida constitui um retrocesso significativo nas conquistas e garantias das pessoas com deficiência”. Já, em relação aos Jogos Recreativos Regionais, ela destaca a promoção de experiências lúdicas, oferecendo aos alunos oportunidades de participação, independentemente de suas limitações cognitivas ou motoras, valorizando suas habilidades e fortalecendo vínculos sociais.
Para Gislaine, inclusão significa mais do que presença física em sala de aula. “Inclusão é assegurar que todas as pessoas, independentemente de suas limitações ou diferenças, tenham acesso aos mesmos direitos, oportunidades e espaços na sociedade. Trata-se de reconhecer potencialidades e respeitar singularidades”. Ela diz que o maior desafio, ainda hoje, é superar preconceitos e barreiras atitudinais.
Apesar dos avanços, muitas vezes a pessoa com deficiência permanece invisível ou subestimada. “Além disso, enfrentamos obstáculos estruturais, como a falta de acessibilidade, a necessidade de formação adequada de profissionais e a implementação de políticas públicas consistentes. A APAE reafirma sua defesa incondicional da inclusão, entendendo-a como um processo que deve garantir a efetiva participação do aluno nas atividades escolares, de forma que ele esteja integrado e envolvido na aula que lhe é oferecida, e não apenas presente fisicamente em sala de aula”, defende a diretora.
Sobre os impactos da ADI 7796, Gislaine alerta: “A ADI discute a possibilidade de restringir ou até inviabilizar o repasse de recursos públicos para escolas e instituições especializadas, como as APAEs”. Caso seja aprovada, ela enfatiza que seria extremamente prejudicial, comprometendo a continuidade da escolarização oferecida aos alunos, colocando em risco um direito já consolidado.
“É importante destacar que a matrícula dos alunos na escola da APAE ocorre por decisão das famílias, que optam por este atendimento justamente pelo caráter especializado e individualizado que a instituição oferece a cada estudante. Assim, qualquer medida que fragilize o funcionamento das APAEs representa um retrocesso para os direitos das pessoas com deficiência e para a efetivação da inclusão de forma responsável e de qualidade”, ressalta Gislaine.

O olhar das famílias
Selma Paulowski, mãe de Evelyn da Silva Paulowski, de 19 anos, que frequenta a APAE desde os sete meses, reforça o papel transformador da instituição: “Para nós, a APAE foi uma luz no fim do túnel, um abraço sem aperto. Foi um divisor de águas, porque éramos pais de primeira viagem e não tínhamos noção do que viria pela frente. Para a Evelyn, é tudo: não existe sábado, domingo ou feriado, porque ela gosta tanto da escola que é a vida dela. Para nós, é conforto, auxílio, como se fosse nossa mãe que abraça o filho na necessidade”. Sua família não sabe como seria a vida da filha sem a APAE.
A mãe de Evelyn detalha o impacto da ADI 7796 em sua família. “Não tem cabimento um negócio desses. As escolas não estão preparadas para receber nossa filha e outras crianças com necessidades especiais. Não há salas, profissionais especializados, acessibilidade adequada, transportes adaptados — que envolve muito mais do que um elevador para cadeirantes —, precisa de monitores especializados também, e muita coisa a ser feita”, destaca.
Segundo ela, mudanças na APAE afetariam muito o cotidiano de Evelyn. “Ela não sabe ler nem escrever no caderno, é portadora de hemimegaencefalia, autista severa, com epilepsia e tem crises frequentes, depende quase 100% de mim. Na APAE, o recreio é mais tranquilo, todos ficam juntos e tudo funciona. Isso é inclusão de verdade. Na APAE de Irati, há trabalhos feitos em parceria com outras escolas e visitas frequentes. A socialização da Evelyn também acontece fora da escola, com a família, mas a instituição complementa isso com passeios e projetos para quem não tem condições de participar de atividades externas”, completa Selma.
Espaço adaptado fortalece o trabalho da APAE em Fernandes Pinheiro
A discussão sobre a importância de estrutura física adequada para atender alunos com deficiência ganha reforço na APAE de Fernandes Pinheiro. Assim como em Irati, o espaço físico é um fator determinante para garantir a inclusão, a segurança e a qualidade do atendimento.
Noeli Fillus, diretora da instituição de Fernandes Pinheiro, destacou a trajetória da APAE e a relevância da nova sede, inaugurada recentemente. “A entidade foi fundada em julho de 2006 e sempre prestamos atendimento aos alunos em espaços locados ou emprestados pelo município, para que pudéssemos efetivar o trabalho. Sempre foi um sonho termos nossa sede própria, até que tivemos o apoio da ex-prefeita Cleonice Schuck, com comprometimento em construir um prédio que pudesse prestar este atendimento de forma adequada”. No final de 2023, a nova sede foi inaugurada e a equipe consegue oferecer um trabalho de mais qualidade, graças às adequações do espaço.
Segundo Noeli, a nova estrutura conta com seis salas de aula, banheiros adaptados e salas específicas para atendimento de psicologia, fonoaudiologia, assistência social e médica. Ela reforça a importância da APAE para a comunidade: “Quando nos colocamos no lugar do outro, entendemos melhor a necessidade e a relevância de certos atendimentos. Uma escola especializada, como a APAE de Fernandes Pinheiro, dá às famílias a opção de escolher entre ensino regular ou especializado para crianças com deficiência intelectual, múltipla ou autismo associado à deficiência intelectual”. A diretora conta que a instituição atende crianças desde os primeiros meses de vida, com estimulação, até alunos com mais de 50 anos de idade.
Noeli também destacou o papel da comunidade na mobilização: “Defendemos a causa da escola especializada dentro das APAEs. O governo do estado é um grande apoiador, mas dependemos do apoio da comunidade para continuar oferecendo este serviço e sensibilizar as autoridades que vão julgar a ADI. Pedimos que as famílias tenham a liberdade de escolha sobre onde seu filho será assistido pela entidade escolar”, destaca ela.
Um convite à comunidade
Gislaine Gomes finaliza com um apelo à participação permanente da sociedade em apoio às APAEs, além da participação nos atos da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla. “A APAE é construída com amor, dedicação e compromisso com a dignidade da pessoa com deficiência. Convidamos toda a comunidade a caminhar ao nosso lado, seja participando dos eventos, seja apoiando nossas iniciativas. Acreditamos que uma sociedade verdadeiramente justa e humana só é possível quando todos têm voz, vez e oportunidade de brilhar”.
Fernanda Hraber
