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Dupla jornada de mulheres aumenta durante a pandemia

Com crianças e adolescentes em casa, o impacto da pandemia no cotidiano das mulheres tem sido ainda calculado por especialistas, mas dados já demonstram uma tendência para o aumento da chamada dupla jornada

27/04/2021

Dupla jornada de mulheres aumenta durante a pandemia

Pesquisas apontam que as mulheres tiveram aumento da dupla jornada de trabalho durante a pandemia. Isto significa mais horas trabalhadas em serviços domésticos e cuidados de familiares, após o encerramento do expediente no trabalho remunerado.

O relatório Global Gender Gap Report 2021, feito pelo Fórum Econômico Mundial, com auxílio de dados da Ipsos, instituto internacional de pesquisas, mostrou que mulheres com filhos foram as que mais trabalharam em horas pouco convencionais, como nas primeiras horas da manhã ou muito tarde, à noite.

A pesquisa foi feita com homens e mulheres com crianças e sem crianças. Contudo, foram as mulheres que apresentaram os maiores índices ao serem mais propensas ao aumento nos níveis de estresse devido às mudanças nas rotinas de trabalho e aumento na ansiedade devido às pressões familiares (como o dever de cuidar as crianças). Elas também enfrentaram mais dificuldade em balancear trabalho e vida particular, além de terem menor produtividade durante este tempo.

O relatório do Fórum Econômico Mundial ainda aponta que com a pandemia a lacuna entre gêneros aumentou de 99 anos para 135 anos. Segundo o estudo, isso significa que levaria mais 135 anos para atingir a igualdade de gêneros mundialmente, com as atuais políticas sociais.

A pesquisa “Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, realizada pelas organizações Gênero e Número e SOF Sempreviva Organização Feminista, mostram dados mais recentes que relatam que 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém durante a pandemia. A pesquisa ainda indica que 42% das mulheres responsáveis pelo cuidado de outra pessoa o fazem sem apoio de pessoas de fora do núcleo familiar e que, no período de isolamento social, 51% das mulheres que contam com algum apoio para o cuidado, afirmaram que o apoio diminuiu.

Os números seguem uma tendência já apresentada em 2019, antes da pandemia. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que mulheres se dedicaram mais aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos do que homens. Foram 21,4 horas semanais feitas pelas mulheres contra 11 horas semanais feitas pelos homens.

A pesquisa de 2019 também já mostrava que as mulheres que precisavam conciliar a vida de casa com trabalho eram mais propensas a ter empregos com horas reduzidas. Segundo o IBGE, cerca de um terço das mulheres (29,6%) estavam ocupadas em tempo parcial (até 30 horas semanais de trabalho), quase o dobro do verificado para os homens (15,6%).

Conciliando vidas

Marinês Pereira, 39 anos, é uma das mulheres entre tantas brasileiras que tem se dividido entre o trabalho e o cuidado de filhos em casa durante a pandemia. Divorciada e com dois filhos adolescentes em casa, um de 14 anos e outro de 16 anos, ela tem se divido para sustentar a casa e cuidar da educação dos filhos que estão em ensino remoto.

A escola tem mandado os horários das aulas on-line e a programação do ensino remoto tem sido cumprida. Mas é a disciplina e o natural desenvolvimento do adolescente que acaba trazendo desafios à educação. “Com o de 14 anos, está sossegado. É com o de 16 que eu tenho que pegar no pé. Está naquela fase de ‘contatinhos’”, disse.

Para garantir que o adolescente se concentre nos estudos, enquanto ela não está em casa, Marinês tem partido para soluções drásticas. “Nessa parte, talvez eu seja maldosa, não sei... Mas a minha reação é pegar o telefone dele e trazer para o serviço. Trago o telefone dele para o trabalho. Fica comigo o dia todo”, conta. “Eu cheguei a ponto de trazer o notebook para o trabalho. Eu trouxe sim. Vão estudar. A única coisa que consigo dar para eles é o estudo”, destaca.

Desde que encontrou esta solução, Marinês enfrenta uma dupla jornada. Durante o dia, trabalha como recepcionista na empresa Fobrás, e à noite, quando chega em casa, foca em garantir que os filhos tenham cumprido as atividades escolares propostas. “Eu chego, fico vendo como eles estão. Eu pergunto como foi a aula, o que falaram hoje, deixa eu ver as atividades porque eu quero ver. Se não tem o que mostrar, eu trago [celular] no outro dia. Agora tá tudo em dia. Foi o único meio que eu achei”, disse.

Apesar dos desafios de disciplinar os adolescentes, Marinês ainda vê o ensino remoto como uma solução durante a pandemia. “Nós não sabemos como serão as aulas presenciais. As crianças já são difíceis de cumprir dando apenas uma regra, imagina agora nessa pandemia para fazer o distanciamento. Está sendo uma benção essas aulas on-line”, conta.

Para ela, o maior temor durante este tempo é se contaminar e levar a Covid-19 para casa, mesmo tomando todos os cuidados. “O dia a dia no trabalho como em casa é preocupante. Aqui no setor, é onde eu recebo bastante pessoas por ser uma sala de recepção. São várias pessoas que chegam, trazendo documentos e currículos. Nós temos o medo de pegar e levar alguma coisa para casa”, disse.

De acordo com o gerente de Recursos Humanos da Fobrás, Rodrigo Cesar Maravieski, a empresa tem permitido a ausência do trabalho quando necessário e oferecido recursos médicos para que os trabalhadores tenham segurança no momento do trabalho. “Também cumprimos com todo o protocolo de segurança com relação ao Covid-19 e caso o filho da colaboradora esteja com sintomas, ela pode ficar em quarentena até ele melhorar”, explica.

Mesmo tendo as garantias no trabalho, Marinês conta que ainda tem sido desafiador passar por esse momento. “Já estava ruim sem o vírus, com o vírus piorou um pouquinho. As coisas também aumentaram, então fica difícil para a gente que é sozinha, com essa dupla jornada, trabalhar, ser mãe, ser pai, cuidar dos filhos, dar uma educação”, conta.

Ensino em casa

Além da dupla jornada, a preocupação de todos os pais também é garantir que os filhos continuem conseguindo realizar um estudo em casa, sem prejudicar o desenvolvimento educacional de crianças e adolescentes.

A coordenadora de pós-graduação em Educação Infantil do Senac EAD, Ângela de Almeida Mogadouro Calil, explica que é preciso que os pais saibam sua função dentro da educação à distância para conseguir conciliar as atividades. “Os pais devem ter clareza quanto ao seu papel de apoio e orientação aos filhos nos estudos. Eles não são os professores e nem os próprios alunos encarregados das tarefas. São pais e trabalham fora por direito e dever. Essa afirmação parece óbvia, mas não é. Muitos pais se culpam por não ficarem ao lado dos filhos no momento dos estudos, mas essa culpa é desnecessária e prejudicial para todos. Os pais devem participar das atividades dos filhos orientando e acompanhando, mas, quanto mais autonomia e senso de responsabilidade conseguirem despertar nos filhos, mais tranquilo será o trabalho”, explica.

O assessor pedagógico do SAE Digita, Douglas Lopes, destaca que a palavra-chave nessas situações é a proximidade. Pais e escola precisam formar uma parceria para que a educação tenha avanço. “A responsabilidade pela educação do estudante é uma parceira entre duas instituições. A família, sendo a primeira, e a segunda sendo a escola. Cada uma com suas responsabilidades. Se nesta espécie de sociedade algumas das partes deixa de cumprir com o seu papel, essa criança, esse jovem, ficará desassistido de alguma maneira. À distância ou presencial, ele será o único prejudicado”, conta.

Ele também explica que pais e escola precisam se comunicar. “A família precisa compreender a sua função, logo a escola também tem esse dever. A família deve acompanhar de perto essa rotina de estudo do aluno, logo a escola deve propiciar a essa família orientações específicas.  Orientações individuais e até personalizadas porque o adulto que tiver realizando esse acompanhamento, de alguma forma estará substituindo um serviço que seria destinado ao professor em tempos presenciais. É justo que a escola ajuste essa comunicação com a família informando esses pais sobre o rendimento, o acompanhamento, o desempenho, as dificuldades, e se for o caso, propondo um plano de intervenção”, relata.

A organização de uma rotina é uma etapa essencial nesse desenvolvimento. Ângela destaca que cada idade terá uma forma de construir a rotina. Por exemplo, crianças de quatro a dez anos precisam ter uma rotina com horários marcados para tarefas e momentos de lazer. “Ao chegar em casa, os pais devem verificar o que foi feito, se há dúvidas, sempre com a concepção de que eles não são os professores; as dúvidas e dificuldades devem ser levadas aos professores. É importante que a escola saiba o que os alunos estão conseguindo ou não fazer”, relata.

Já com os pré-adolescentes e adolescentes, a organização deve ser feita em conjunto com eles e os pais devem acompanhar o que foi feito, respeitando o desenvolvimento da autonomia deles. “É interessante que os pais contem aos filhos o que eles próprios fizeram no trabalho e o que não conseguiram, o que tiveram dificuldade, o que foi desafiador para mostrar aos filhos que todos têm responsabilidades, deveres, tarefas, desafios, dificuldades e vitórias! É relevante lembrar que estamos tratando de personalidades em construção e não de pessoas que devem mostrar perfeição, portanto, os deslizes, a ‘preguiça’, as preferências e implicâncias por algumas disciplinas da escola vão nos dizer muito sobre nossos filhos e devem servir para conversarmos com eles, conhecê-los melhor, ajudá-los de fato e não os reprimir”, destaca.

Como controlar o foco dos filhos nos estudos enquanto se está no trabalho?

Mas como controlar o foco nos estudos enquanto estou no trabalho? Essa é uma pergunta difícil para pais que estão trabalhando fora. Os especialistas destacam que a solução para isso precisa estar na relação de confiança entre pais e filhos. Sem essa proximidade, é difícil ter um resultado satisfatório. “O problema está quando o aluno só usa a internet como ambiente de lazer. Sem combinado, sem limites. É por isso que a proximidade com os filhos e a comunicação sobre essa rotina de estudos são tão importantes, pois garante uma relação de confiança e acima de tudo, compromisso de uma rotina, que pode ser estabelecida como um acordo de ambos, levando em consideração as tarefas, as atividades, as avaliações, ou seja, as responsabilidades do aluno”, disse o assessor pedagógico.

De forma prática, Ângela destaca que os pais podem mostrar aos filhos que eles têm momentos de lazer, pausas no trabalho em que fazem algumas coisas que gostam para relaxar as tensões e que voltam ao trabalho por responsabilidade. “Desta forma, os filhos se sentirão mais à vontade para demonstrarem cansaço ou dispersão e os pais podem ajudá-los a focar nas tarefas”, relata.

Ela lembra que é importante mostrar essa relação de confiança. “Se mostrarmos às crianças que temos confiança nelas, que elas podem fazer algumas pausas em suas tarefas para relaxarem – porque todos precisamos disso – e acompanharmos o resultado do trabalho realizado, não há razão nenhuma para o controle autoritário. Se o resultado das atividades da criança não estiver satisfatório, o equilíbrio entre dever e lazer deve ser conversado e renegociado sempre lembrando à criança que é papel dos pais zelar pelo crescimento saudável de seus filhos”, disse.

Texto: Karin Franco

Foto: Divulgação

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