07/03/2025
Oito de março é o Dia Internacional da Mulher. A data vai além da celebração e reforça a reflexão quanto a lutas por autonomia, igualdade e segurança. O telefone estratégico no enfrentamento à violência contra a mulher no país, a Central de Atendimento à Mulher — Ligue 180 totalizou, em 2024, 24.907 atendimentos registrados no Paraná, um aumento de 34,79% em relação ao ano anterior, quando 18.478 foram computados. O número de denúncias também subiu de 3.912 para 4.503, um acréscimo de 15,1%. E os dados ainda revelam que a casa da vítima continua sendo o principal local onde a violência ocorre.
O questionamento que fica é se o número de denúncias aumentou porque os índices de violência têm sido maiores ou porque as vítimas têm buscado mais ajuda? Independente da resposta, fatores sociais e culturais ainda levam muitas mulheres a normalizarem a violência e permanecerem em relações abusivas sem perceber.
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"Quando falamos em violência contra a mulher, muitas vezes a sociedade só reconhece a violência física, mas há também a psicológica, moral e patrimonial", explica Eliane Maria da Silva Carungaba, assistente social Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM). Segundo ela, a violência moral, por exemplo, afeta a imagem da mulher perante a família e os filhos, criando um ciclo de reprodução desse comportamento nas futuras gerações. Os filhos veem o pai tratando a mãe mal e acabam naturalizando aquela situação.
Outro problema apontado é a dependência financeira. "Muitas mulheres pensam que só a violência física é violência doméstica, mas um exemplo também é a violência patrimonial, quando o homem contém até os documentos da mulher, isso também é uma privação da identidade dela. Como é que ela vai poder procurar uma ajuda perante a delegacia, dizendo que quer fazer uma denúncia, se ela não tem a documentação dela? A violência patrimonial também restringe a mulher na sua liberdade como um todo quando ela depende financeiramente do marido. E aí, ela acaba se sujeitando àquela relação porque ela não tem outra opção. Não tem outra opção porque ela não tem renda", diz Eliane.
Para tentar mudar esse cenário, as equipes do Centro Integrado de Atendimento à Mulher Iratiense (CIAMI) e do CRAM pretendem levar cursos profissionalizantes para a área rural, onde as mulheres possuem mais dificuldade de acesso a esses recursos, assim ampliando o acesso à qualificação e à independência financeira.
Segundo a psicóloga do CRAM Vanessa de Lara, no interior talvez haja o pensamento mais fechado do que as mulheres da cidade. “As mulheres que moram no interior têm aquela visão de que devem ficar casadas a vida inteira. Essa visão é reforçada pelo medo da opinião da família e da separação dos pais em relação aos filhos”, contextualiza.
As profissionais destacam ainda que muitas mulheres desconhecem seus direitos, acreditando que, ao sair de um relacionamento abusivo, perderão a casa ou o direito de ver os filhos. Psicólogas e assistentes sociais também observam que muitas ainda possuem um pensamento de submissão, sem compreender que o homem também tem obrigações dentro do lar.
A assistente social Mayara Schipanski enfatiza a importância da educação e do acesso à informação para mudar essa realidade. "As mulheres precisam saber que não são obrigadas a permanecer em um relacionamento abusivo. Muitas pensam que, se se separarem, perderão tudo, inclusive os filhos. Mas a justiça garante a segurança delas e de seus direitos", afirma.
A dependência emocional, segundo a psicóloga Vanessa, é um fator determinante para que muitas mulheres permaneçam em relações abusivas. Ela relata que a maioria dos agressores costuma fazer as vítimas acreditarem que são insuficientes e até mesmo se sentirem culpadas. "Elas acreditam que não conseguirão viver sem aquele parceiro, ou encontrar outra pessoa. Muitas vezes, a família e os amigos também não apoiam, até mesmo porque vivem na mesma situação, e acabam reforçando a ideia de que elas devem aceitar isso", relata.
Ciclo da violência
Outro ponto importante abordado pelas profissionais é o ciclo da violência. "Muitas mulheres se separam após agressões, mas acabam retornando ao relacionamento por falta de apoio ou por medo”, relata Mayara. “O agressor se aproveita desse momento para prometer mudanças, mas, na maioria dos casos, a violência volta a acontecer, e cada vez a situação se agrava mais, porque o agressor vai testando os seus limites a até onde ele consegue chegar", explica Eliane. "O ciclo só é rompido quando a mulher tem acesso ao suporte necessário, como apoio psicológico, orientação jurídica e independência financeira", destaca Eliane.
As especialistas reforçam que a mudança precisa envolver toda a sociedade, pois ainda hoje muitas pessoas normalizam a agressão contra mulher. "Precisamos desconstruir a cultura que normaliza a violência. Muitas pessoas ainda veem agressões verbais ou psicológicas como algo menor, mas elas fazem parte de um ciclo que pode levar a casos mais graves, como o feminicídio", alertam.
Apoio do CIAMI e do CRAM
O Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) e o Centro Integrado de Atendimento à Mulher Iratiense (CIAMI) oferecem suporte às mulheres vítimas de violência em Irati. A equipe do CRAM, composta por duas assistentes sociais e uma psicóloga, agora disponibiliza atendimento psicoterapêutico.Já no CIAMI, a prevenção à violência será reforçada com cursos profissionalizantes e eventos informativos. Além do apoio psicológico e social, as mulheres recebem encaminhamentos jurídicos por meio da OAB e do Núcleo Maria da Penha (Numape).
Em 2024, o CRAM recebeu mais de 300 pedidos de medidas protetivas, embora nem todas as mulheres tenham aderido ao atendimento. O Projeto Maria da Penha nas Escolas atendeu 411 crianças, enquanto os cursos oferecidos pelo CIAMI contaram com cerca de 130 participantes. Atualmente, 87 mulheres são atendidas ativamente pelo CRAM.
Auxílio jurídico do Numape Irati
O Núcleo Maria da Penha (Numape) de Irati, vinculado à Universidade Estadual do Centro – Oeste (Unicentro) e financiado pelo Fundo Paraná, oferece apoio jurídico e psicológico para mulheres em situação de violência. Além do atendimento individual, a equipe promove ações educativas, como palestras e oficinas, visando à prevenção da violência e à divulgação da Lei Maria da Penha.
Com uma equipe multidisciplinar composta por advogadas, psicólogas, estagiárias e orientadores, o Numape realiza atendimentos individualizados e busca garantir que as mulheres tenham acesso à justiça e ao suporte emocional necessário. Muitas chegam ao núcleo por encaminhamento de outros serviços, como o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) e o Centro Integrado de Atendimento à Mulher Iratiense (CIAMI), enquanto outras procuram o atendimento de forma espontânea.
Segundo Letícia Mudrei Marchinski, advogada da Numape, o primeiro contato com a equipe ocorre por meio de uma triagem, geralmente realizada de forma conjunta entre as advogadas e a psicóloga. A partir das demandas identificadas, são prestados serviços como orientação jurídica para processos de divórcio, guarda de filhos, pensão alimentícia e renovação de medidas protetivas. No campo da Psicologia, o acompanhamento é realizado por meio da psicoterapia breve, auxiliando no enfrentamento das marcas deixadas pela violência.
Ações educacionais
Além dos atendimentos individuais, o Numape Irati desenvolve ações educativas e preventivas, promovendo palestras e eventos para conscientizar a sociedade sobre a violência contra a mulher. Durante os atendimentos, a equipe tem observado que a violência psicológica, embora muito presente, nem sempre é reconhecida de imediato pelas vítimas. Letícia afirma que muitas mulheres buscam ajuda apenas após episódios de agressão física, sem perceber que já vinham sendo vítimas de abuso emocional, patrimonial ou até mesmo de violência sexual dentro do relacionamento.
O trabalho do Numape reforça a importância da rede de proteção e do acesso à informação para que cada vez mais mulheres consigam romper o ciclo da violência. No Dia da Mulher, mais do que celebrar conquistas, a data também serve como um lembrete de que a luta por direitos e segurança deve continuar.
Por que o dia 8 de março?
O Dia Internacional das Mulheres foi oficializado em 1975, ano que a ONU estabeleceu o Ano Internacional das Mulheres para lembrar suas conquistas políticas e sociais.
Maria do Rocio da Silva Rosa, coordenadora da Secretaria Municipal da Mulher, da Criança e do Idoso da de Irati, explica a origem da data. "Para o 8 de março existe uma história, que foi em 1917, que mulheres operárias que trabalhavam em uma fábrica de tecido reivindicavam pelos seus direitos. Elas trabalhavam até 16 horas. E elas, sempre tem um líder no grupo, e elas começaram a sentir que elas eram desprezadas, no sentido que elas trabalhavam a mais, recebiam a metade do que um homem recebia. Elas começaram a se organizar, se mobilizar por um salário digno, questão de horário, para que todas as mulheres tivessem uma qualidade de vida melhor. E elas foram fechadas e foi ateado fogo nessa fábrica. E o total de mulheres que morreram carbonizadas chegou a 130. Então, todas morreram e a ONU se mobilizou e criou essa data tão especial, que é dia 8 de março, pela luta do direito à igualdade das mulheres".
Maria reforça que, apesar dos avanços, ainda há desafios a serem superados. "Muita luta, a mulher na política, a mulher no mercado de trabalho, a mulher se libertar de muitas amarras ainda que estão sobre elas. Então, é através das mobilizações, das orientações, de toda a sociedade que conseguiremos um espaço ainda maior", afirma.
Números do Ligue 180 no Brasil
Em nível nacional, o Ligue 180 realizou 750.687 atendimentos em 2024, o que representa uma média de 2.051 por dia. Assim como no Paraná, no Brasil o número de denúncias também cresceu, passando de 114.626 em 2023 para 132.084 no ano seguinte. Entre os tipos de violência mais registrados, a psicológica lidera com 101.007 denúncias, seguida pela física (78.651), patrimonial (19.095), sexual (10.203), moral (9.180) e cárcere privado (3.027).
As estatísticas também mostram que a maioria das vítimas são mulheres negras, representando 52,8% das denúncias registradas. A relação entre suspeito e vítima também é um fator relevante: em 17.915 casos, o agressor era o companheiro atual, e em 17.083, o ex-companheiro.
Camile Fedaracz e Letícia Torres