15/06/2023
A superação do vício no cigarro impacta na saúde e na vida social, comentam pessoas que conseguiram vencer essa batalha com força de vontade, ajuda de familiares, apoio de amigos e profissionais de saúde. Em Irati, grupos de apoio do SUS oferecem suporte médico e psicológico gratuito aos que desejam abandonar o tabagismo
Daniel de Paula Yoshitomi tem 42 anos e há dois ele decidiu que iria largar de vez o cigarro após algumas tentativas que não deram certo. Na última, que foi bem-sucedida, ele buscou inspiração na gravidez de sua esposa. "Eu fumei por 22 anos e decidi parar porque minha esposa estava grávida. Eu tinha combinado com ela, se ela engravidasse, eu iria parar de fumar. Na metade da gravidez dela eu consegui realmente parar”, relata.
Os primeiros passos de Daniel foram a busca de apoio e tratamentos que o ajudassem a superar o vício na nicotina. “Quando eu decidi, eu fiz três tratamentos, mas o que eu mais senti a diferença foi o que eu fiz pelo SUS. Eu fui na Unidade de Saúde e ali as conversas, os medicamentos e assistência que me ofereceram foi acima do esperado e primordial para eu ter conseguido parar de fumar”, conta. “Por coincidência ou não, logo depois que eu consegui parar de fumar, eu fui diagnosticado com câncer de pele. Não sei se tem a ver com o cigarro, mas a gente sabe a quantidade química do cigarro, então pode ser que tenha sido por causa disso”, relata Daniel, que atualmente está recuperado.
Manuel Milton Kuller, 73 anos, fumou por muito tempo. Ele lembra que na sua infância, quando teve os primeiros contatos com o que viria a se tornar um vício, fumar não era considerado algo perigoso para a saúde. “Eu não lembro com quantos anos eu comecei a fumar, mas eu devia ter uns 8 anos. Naquela época era normal, minha mãe fumava, meu pai fumava – ele até mastigava fumo. Eu fumei por muito tempo, mais ou menos uns 45 anos”, lembra Manuel, que já não fuma há dezenove anos.
Além de deixar de usar o cigarro tradicional e o de palha, Manuel aproveitou a grande força de vontade que possui para superar outros vícios também. “Eu tinha muitos vícios e quando eu resolvi parar de fumar, fui abandonando cada um deles. Hoje eu não bebo, eu não fumo, eu não jogo, não tenho celular e não vejo televisão”, relata.
O tabagismo é responsável por matar mais de oito milhões de pessoas no mundo a cada ano, além de causar impactos ecológicos e colaborar para as mudanças climáticas. No Paraná, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2019, a prevalência de fumantes com mais de 15 anos é de 14,6%, ou seja, mais de 1,7 milhão de pessoas são dependentes da nicotina no estado.
Grupos de apoio
Em Irati, há grupos que oferecem acompanhamento com profissionais de saúde para os que desejam parar de fumar. Estes grupos funcionam nos bairros Rio Bonito, Riozinho e no centro da cidade.
O médico de família e comunidade, que atua na Unidade Básica de Saúde do Rio Bonito, Anderson Sprada conta que a iniciativa da formação desses grupos surgiu da necessidade de realizar ações voltadas para as pessoas que compreendem os malefícios do tabaco em suas vidas e querem deixar o vício. “O grupo existe há mais de 10 anos, porém ficou parado por mais de três anos devido a pandemia e a saída de alguns profissionais. Há cerca de um ano, após realizarmos uma qualificação como facilitadores do grupo de tabagismo ofertada pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) e Secretaria Estadual de Saúde (SESA), as atividades foram reiniciadas. Hoje contamos com três equipes: na UBS Rio Bonito, na UBS Riozinho e uma que iniciará na região central. Somos mais de 15 profissionais capacitados e qualificados no combate ao tabagismo, sendo médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, odontólogos, farmacêuticos, entre outros”, explica o médico.
A cirurgiã-dentista Elci Elyne Cunha Notoya, que coordena os grupos no município, explica como é realizada a abordagem aos interessados em superar o vício. “Dentro desse tratamento, a gente aplica um teste que avalia o grau de dependência da pessoa e, de acordo com esse teste, é prescrito algum medicamento ou o uso dos adesivos ou goma. Mas o que mais funciona é o grupo mesmo, é o falar e tudo mais. Dentro desses encontros a gente fala sobre várias coisas como enfrentar a fissura, os benefícios de se parar de fumar e aí entra com a medicação, caso seja necessário”, explica Elci.
Melhora na saúde
Ao parar de fumar, alguns sentidos como olfato e paladar começam a se recuperar gradativamente, explica a cirurgiã-dentista. “Eles mesmos contam que quando eles começam a parar, eles voltam a sentir cheiro e gosto. Eles começam a perceber o quanto eles cheiravam mal com o cigarro, porque eles começam a ir nos lugares onde pessoas fumam e falam ‘meu Deus, o quanto fede’”, conta a coordenadora dos grupos de apoio.
Elci destaca que o cigarro afeta muito a respiração, o que causa um impacto negativo na qualidade de vida. “Eles relatam que deixam de estar cansados muito rápido, então não cansam rápido demais e começam a recuperar o fôlego e tudo mais. E isso é em todas as reuniões. Quando vão parando, eles já vão relatando assim de imediato.”
E foi justamente isso que encorajou Josiane Miranda, 37 anos, que fumava desde os 14 a parar deixar o cigarro. “O motivo que me levou a parar de fumar foi justamente pela saúde. Eu não tinha mais vitalidade, principalmente o fôlego para fazer pequenas caminhadas que me cansava muito, a falta de ar estava bem grande até para pequenas distâncias, quem dirá um esporte. Meu fôlego não dava conta”, lembra Josiane, que não fuma há cinco anos.
Segundo estimativas da OMS, o fumo é responsável por 71% das mortes por câncer de pulmão, 42% das doenças respiratórias crônicas e aproximadamente 10% das doenças cardiovasculares, além de ser fator de risco para doenças transmissíveis, como a tuberculose.
Além da melhora na respiração, o médico Anderson Sprada cita outros benefícios que parar de fumar traz para a vida. “São vários os benefícios, mas citamos principalmente a melhora da respiração, do paladar, da oxigenação cerebral, da capacidade física e pulmonar, da redução de diversos cânceres (especialmente de pulmão, laringe e bexiga), redução de doenças cardiovasculares, assim como resultados econômicos, uma vez que o ex-tabagista economizará vários reais deixando de comprar cigarros”, detalha.
O uso do tabaco, assim como de seus produtos derivados, como o cigarro, cigarro eletrônico ou dispositivo eletrônico para fumar, além de charuto, cachimbo, cigarro de palha, narguilé, entre outros, pode favorecer o desenvolvimento de várias enfermidades e tipos de cânceres.
O círculo social do ex-fumante também pode melhorar, como relata Daniel, que notou uma maior proximidade de sua família após deixar o cigarro. “Hoje eu tenho paladar novamente, tinha certos sabores, gostos que eu não sentia, então melhorou muito, o cheiro, hálito, deu uma diferença enorme. Minha esposa começou a ficar mais próxima de mim, ganhei mais mimos, beijinhos, abraços, também melhorou o relacionamento dentro de casa. Tenho uma filha adolescente e a recém-nascida e acho que isso fez total diferença no relacionamento também, tanto do casal como de pai e filho”, afirma.
Força de vontade
Por se tratar de um vício, além de ajuda profissional, é necessário um planejamento após a decisão de parar de fumar, pois cedo ou tarde a vontade pode aparecer. “Sendo bem sincero, eu ainda sinto vontade, mesmo depois de dois anos, ainda tenho vontade. Nas vezes passadas também tinha e acabei tendo recaídas, mas eu fiz um trabalho mental muito forte. Eu comecei a entender e colocar na minha cabeça que eu vou passar vontade, lógico que com menos intensidade do que no início, mas eu comecei a me comportar de maneira mais madura e a entender que passar vontade faz parte da vida”, conta Daniel.
Há cinco anos longe do vício, Josiane conta que atualmente não tem vontade de fumar, mas aconselha a quem está superando o vício para que evite lugares que possam despertar recaídas. “Hoje não sinto mais vontade de fumar, embora conviva com fumantes. O conselho que dou é mudança de hábitos, se fumava junto com café ou após as refeições, procurar substituir por outra coisa. Eu costumava tomar água invés de fumar, embora seja extremamente difícil nos primeiros dias, e também evitar lugares que sejam propícios ao consumo do cigarro, como baladas ou bebidas alcoólicas. Até mesmo amigos que ofereçam, colocar limites que não te deem cigarro”, sugere Josiane.
Conscientização
O Dia Mundial Sem Tabaco foi comemorado no último dia 31 de maio com campanhas que reforçam a necessidade de se evitar o uso de qualquer tipo de cigarro. Além disso, os próprios profissionais orientam sobre os riscos do tabagismo durante atendimentos nas Unidades de Saúde e há campanhas o ano todo para ampliar o alcance das informações.
“Fortalecemos as questões relacionadas aos danos causados pelo tabagismo em cada encontro, bem como nas UBS, através de orientações verbais, folhetos e cartazes, conscientizando sobre os malefícios do hábito de fumar. Temos ideias de levar a promoção da saúde, a conscientização dos danos causados pelo tabagismo, bem como a prevenção desse hábito nas escolas, universidades e nas principais indústrias de nosso município para um futuro próximo”, conta o médico Anderson Sprada.
Outras campanhas também são desenvolvidas, em parcerias, como a realizada em conjunto com o Hospital Erasto Gartner. “A gente tem também o dia de Combate ao Câncer Bucal, onde vem o pessoal do Erasto, então, é falado bastante nesse dia. No nosso atendimento particular dos médicos, dos dentistas, a gente reforça sempre essa orientação. E agora com os grupos funcionando, a gente tem essa possibilidade de já ofertar isso para os pacientes”, finaliza a coordenadora dos grupos de combate ao tabagismo Elci Notoya.
Recaídas, como evitá-las?
O vício no tabaco é um dos mais desafiadores a serem enfrentados. Por isso, a coordenadora dos grupos de combate ao tabagismo de Irati, Elci Elyne Cunha Notoya explica que se houver recaída, não é motivo para sentir vergonha. “A gente sempre tenta encorajar, nunca sentir vergonha, para nunca para eles deixarem de participar do nosso grupo. Até uma das coisas que a gente sempre fala aqui, se conseguiu parar, convidamos para participar das outras sessões. Quando eles escutam pessoas que já passaram pela mesma situação que elas, fica mais empático. No último encontro que a gente faz, a gente fala muito sobre estratégias, porque a vida vai trazer situações difíceis e não vai ser sempre um mar de rosas”, avalia a cirurgiã-dentista.
Anderson complementa e explica que em algumas situações, apoio psicológico é oferecido para pessoas que passam em situações de recaídas no grupo. “Os tabagistas que já foram tratados, mas apresentaram recaídas, recebem apoio para continuar a participar no grupo e realizar novamente o tratamento, assim como valorizar as experiências por eles vividas neste sentido. Em certas situações, o acompanhamento psicológico concomitante pode ser necessário para possibilitar melhores resultados”, cita o médico.
Uma das estratégias sugeridas para evitar as recaídas, é ter um bilhete no bolso com uma motivação para não fumar, para ser lida quando vier a vontade de usar o cigarro surgir. Por exemplo, deixando de fumar cem maços de cigarro poderei viajar para determinado lugar ou poderei comprar tal eletrodoméstico.
E os participantes dos grupos de combate ao tabagismo de Irati que conquistam a tão sonhada liberdade do vício no cigarro têm acompanhamento em sessões de manutenção para tentar evitar possíveis recaídas. “A participação nos grupos de tabagismo orienta a realização de quatro sessões estruturadas iniciais (realizadas uma vez por semana, por cerca de 1 hora e meia, no primeiro mês); e de sessões de manutenção (realizadas a cada 15 dias ou 30 dias nos meses seguintes, a depender de cada grupo). As sessões de manutenção servem como suporte para os ex-fumantes, pois suas dúvidas, dificuldades enfrentadas e possíveis recaídas serão acompanhadas pelo grupo e os profissionais”, explica Anderson.
Como participar dos grupos de apoio em Irati
Os interessados em participar dos grupos que oferecem acompanhamento com profissionais de saúde para parar de fumar podem entrar em contato via WhatsApp: (42) 9-9111-7121 (Centro); e (42) 9-9106-4544 (Rio Bonito).
Reportagem de Lenon Diego Gauron e Daniele Sobutka