20/01/2025
Das férias às salas de aulas: Ansiedade e adaptações. Como as famílias podem se preparar e ajudar os filhos?
Em 2025, o ano letivo terá início no dia 05 de fevereiro, o que gera muitas expectativas e a necessidade de readequação da rotina de crianças e adolescentes. O processo traz consigo muita ansiedade, que pode ser normal ou excessiva – afetando a saúde mental dos alunos. Psicólogos explicam como identificar se há problemas e orientam como as famílias podem auxiliar os filhos
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Com as férias chegando ao fim, milhares de crianças e adolescentes estão se preparando para a volta às aulas. Esse momento pode gerar diversos sentimentos diferentes. Enquanto muitos estão ansiosos para a retomada da rotina e o reencontro dos colegas, outros vivem a expectativa de iniciar a trajetória no ambiente escolar e há também aqueles que se adaptaram ao ritmo das férias e têm dificuldades para voltar às salas de aula. Por isso, é importante que os pais fiquem atentos à saúde mental das crianças e adolescentes neste momento de transição.
A psicóloga Letícia Brunhar, pós-graduada em terapia cognitivo-comportamental, cita que as férias costumam ser um período em que as crianças e adolescentes têm mais lazer e diversão. A época é de descanso e normalmente não há uma rotina estruturada, então muitos acostumam a acordar mais tarde, brincar em qualquer momento do dia e se permitem ter os dias mais relaxados, fazer mais uso de telas, o que impacta no momento das voltas às aulas e pode até mesmo se tornar um peso. “O alto consumo de telas, falta de rotina, preocupação com aspectos físicos, todos esses fatores podem acarretar doenças relacionadas à depressão, ansiedade, fobia social e estresse”, esclarece.
A psicóloga explica que neste momento de transição entre as férias e a volta às aulas é necessário que os pais fiquem atentos a possíveis mudanças no comportamento dos filhos. Mudanças de humor repentinas, irritabilidade, isolamento, perda de interesse por atividades que lhe davam prazer, alteração no sono e apetite podem indicar que algo não está certo, que a saúde mental da criança ou adolescente está prejudicada.
E como os pais podem agir para auxiliar os filhos caso isso aconteça? A psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental dá algumas orientações. “É preciso mostrar outras alternativas para os jovens e para as crianças, atividades ao ar livre, uma caminhada, andar de bicicleta, realmente gastar energia. As emoções também são energias, e a energia acumulada também faz com que as crianças fiquem mais ansiosas”, ressalta Letícia.
Para Dandara Nardino, mãe de Yan Victor que tem 13 anos, Arabella de 11 anos e Ícaro de 5 anos uma das formas de cuidar do desenvolvimento dos filhos é evitar o uso excessivo de telas, pois acredita que as telas podem sim afetar a vida deles de uma maneira negativa. Dandara argumenta que percebe como as redes sociais acabam trazendo um impacto de comparação na vida das crianças, fazendo-as acreditar naquela falsa idealização do mundo perfeito. “Eu sempre dou opções contrárias para que eles não fiquem 24 horas por dia vidrados no celular”, ressalta a mãe. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o recomendado é que crianças até os dois anos não utilizem nenhuma forma de tela, de 1 a 5 anos tenham o uso limitado de 1 hora por dia, de 6 a 10 anos limitar o uso de 1 a 2 horas e de 11 a 18 anos, limitar o uso de 3 horas.
Dentro do ambiente escolar, sem o uso de telas, professores e pedagogos percebem a diferença de uma criança ou adolescente que consome excessivamente as telas para aqueles que não consomem tanto. O nível de irritabilidade desses jovens que consomem todos os dias telas é muito maior. Isso porque, como esclarece a psicóloga Letícia, quando se tem um acesso maior ao celular, computador, televisão, você tem um consumo imediato de assuntos, não precisa esperar para saber de algo, isso faz com que dentro da escola o jovem e a criança tenham de começar a aprender a conviver com a espera.
Crises e fobias na escola
Em casos extremos, a ansiedade se manifesta através de sintomas físicos. A professora de Irati, Mariah* já presenciou crises de sudorese, falta de ar e até desmaio em sua classe. Segundo ela, na ocasião não havia uma equipe de apoio para cuidar da situação e tiveram que chamar o responsável para buscar a adolescente.
“Não há atendimento específico dentro da escola para os casos de ansiedade, não temos uma rede de apoio no cotidiano escolar”, afirma a professora.
Questionada, a Secretaria de Estado da Educação (SEED), informou que mesmo não disponibilizando um profissional de atendimento para cada escola, todo início de semestre realizam os dias de estudo e planejamento, quando questões como esta podem ser discutidas.
“Esses dias são destinados para: organização do semestre letivo, planejar as ações referentes aos componentes curriculares, estudo de temas atuais, assim como organiza-se o acolhimento dos estudantes. Temos ações voltadas para o acolhimento de estudantes, não somente com questões emocionais, mas para o acolhimento como um todo”, destacou a SEED em nota.
Algumas iniciativas que a SEED realiza nas escolas também foram citadas. Dentre elas, o Projeto Escola Escuta, que já capacitou 5.462 profissionais e é realizado desde 2023, com o objetivo desenvolver ações preventivas e contínuas sobre acolhimento, cuidado e proteção dos adolescentes, tendo um profissional de referência em cada turno de cada Escola do Paraná; e o Grupo de Estudos de Clima Escolar (formadores), que já teve 10.624 participantes, é realizado desde 2023 e busca implementar práticas que desenvolvam a melhoria da convivência escolar e que corroborem com as relações interpessoais e o processo de aprendizagem.
Apesar desta e de outras ações citadas pela SEED, famílias que enfrentam a ansiedade excessiva dos filhos acabam tendo que agir conforme podem, muitas vezes, sem contar com profissionais especializados para ajudar. Gislaine Padilha é mãe de um adolescente de 15 anos e já precisou ir várias vezes buscar a filha Maria Bianca no colégio. “Já fui pegá-la na escola por conta de uma crise forte e ela acabou desmaiando”, relembra a mãe.
Fatores externos ao ambiente escolar influenciam as crises da adolescente, mas devido ao problema, a menina já chegou a ficar um ano sem ir para a escola.
Para a psicóloga pós-graduada em terapia Analítica do Comportamento Infantil, Mellussa Chicalsk, o ideal seria que cada escola tivesse um psicólogo, mas como isso ainda é algo bem utópico, ter a contribuição de universidades de psicologia seria uma alternativa. “Graduandos do curso poderiam fazer grupos com jovens e crianças”, sugere. Outro trabalho seria formar professores e agentes escolares para saberem como abordar e lidar com essas questões. Mellussa argumenta que os problemas psicológicos ainda não são considerados sérios por alguns. “Por mais que haja estudos na área, algumas pessoas não consideram como um problema, considerando apenas problemas físicos como de fato sendo um problema”, comenta.
Entretanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) explica que no Brasil, entre 10% e 20% das crianças e dos adolescentes têm algum transtorno mental ou comportamental.
Pesquisa realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), ressalta que fobias e depressões entre os alunos do sexo masculino impactam diretamente na evasão escolar, e os pesquisadores ainda ressaltam que isso mostra a importância de se cuidar da sua mental.
Matrículas no Paraná
De acordo com o Ministério Público do Paraná, o estado está em quinto lugar do país com mais matrículas na educação básica. Com um total de 2.464.010 registros, o estado fica atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Ainda de acordo com o Ministério Público, as matrículas para cada etapa de ensino são distribuídas em 549.199 na Educação Infantil; 1.365.869 no Ensino Fundamental; 403.394 no Ensino Médio; 143.727 na Educação Profissional; 79.973 na EJA; 128.427; e na Educação Especial; 48.480.
Porém, esses números se alteram quando falamos em evasão escolar, que teve um aumento durante o ano de 2024, influenciada por diversos fatores como falta de interesse nos estudos, rotina exaustiva de trabalho, problemas de perda de identidade e o fechamento de escolas no estado. Para suprir esses números de evasão no Paraná, foi adotada no ano de 2024, a lei nº 14.952, que estabelece um regime escolar especial para alunos que não podem frequentar as aulas por motivos de saúde ou por serem mães lactantes.
Existe ansiedade boa e ruim. Como identificar?
A psicóloga Letícia Brunhar explica que nem toda ansiedade pode ser considerada uma doença. “A ansiedade é algo normal do ser humano, é ela que nos ajuda a identificar sensações de perigo, é essencial para evitar ou sair de situações que possam ser prejudiciais, também apresenta sintomas físicos, porém quando se sai da situação que lhe causa ansiedade, os sintomas devem sumir também. Quando os sintomas persistem e a pessoa se vê preocupada com diversas situações o tempo todo, e não consegue fazer atividades simples do dia a dia, é algo que pode gerar uma certa preocupação em relação à saúde mental”, ressalta.
Letícia ainda esclarece que é normal crianças e adolescentes sentirem-se ansiosos com a volta às aulas, estarem nervosos para saber a sala em que estão, para conhecer os colegas novos que vão chegar, saber se o professor vai ser novo ou não, todas essas são formas positivas de ansiedade.
Os pais devem se atentar às questões que começam a fugir de seu controle. “Se você fala de ir para a escola e a criança começa a se queixar de dores físicas, ou o adolescente não quer sair da cama, esses são sinais também, pois às vezes as queixas são tentativas de se esquivar da escola, aí os pais devem entender o que está acontecendo”, esclarece a psicóloga.
Expectativa para a volta às aulas
Na casa de Dandara, a expectativa para voltar às aulas é grande. A mãe relata que os filhos não veem a hora de reencontrar os colegas. Yan e Arabella estudam na Escola Estadual Nossa Senhora das Graças e o caçula Ícaro na Escola Municipal Padre Wenceslau. Os três estão animados, pedem para ver a turma em que estão, conversam com os amigos para ver quem está na turma de quem, quem será o professor.
Na casa de Gislaine Padilha a situação é parecida. Os filhos mais novos João Arthur e Antônio, todos os dias perguntam se já dá para ir para a escola, brincar e reencontrar os amigos.
Dandara enfatiza a importância do ambiente escolar para o desenvolvimento das crianças e adolescentes. “A escola é onde eles se tornam indivíduos para além do âmbito familiar, a interação com colegas e professores é primordial para essa formação de um ser humano mais humano”, diz.
*Mariah é um nome fictício, pois a professora não quis se identificar, temendo represálias.
Ana Mattos e Letícia Torres