Como a proibição do celular está mudando a rotina escolar

As escolas da região se adaptam rapidamente à nova regra nacional de restrição de celulares que começou a valer em janeiro deste ano. Medida tem resultados significativos em atenção para os estudantes, enquanto a rotina da sala de aula é transformada
A restrição ao uso de celulares nas escolas de todo o país, implementada no início de 2025, tem gerado um impacto perceptível na rotina escolar e no comportamento dos estudantes brasileiros, conforme aponta um estudo da Frente Parlamentar Mista da Educação em parceria com o Equidade.info. Embora a medida tenha demonstrado resultados positivos no foco acadêmico, ela também impôs novos desafios, como o aumento da ansiedade e do tédio em alguns alunos.
Entenda a mudança e seus objetivos
A alteração citada refere-se à Lei nº 15.100/2025, sancionada em janeiro de 2025, que restringe o uso de aparelhos eletrônicos pessoais, como celulares, nas salas de aula e durante o horário letivo. O objetivo institucional e pedagógico dessa legislação é, primordialmente, melhorar a concentração e o desempenho dos estudantes, minimizando as distrações causadas pelas telas. Além disso, a lei visa promover maior interação interpessoal e reduzir a incidência de cyberbullying no ambiente escolar, buscando um retorno à valorização do contato direto entre colegas e professores.
Percepção de ganhos no NRE de Irati
No Núcleo Regional de Educação de Irati, a percepção inicial é de que a medida foi assertiva, especialmente no que tange ao trabalho pedagógico. O professor Moacir Bortolozzo, chefe do NRE, salienta que a dificuldade em dosar o uso por parte dos estudantes levou à necessidade da restrição.
“Entendemos que o celular é um material pedagógico muito importante, quando usado de maneira eficiente e eficaz, porém sabemos que é extremamente difícil dosar o uso, por parte dos estudantes ou mesmo, o nosso uso no dia a dia. Refletindo sobre o uso consciente, acredito que a restrição trouxe resultados positivos ao trabalho pedagógico de nossas escolas”, afirma Bortolozzo.
O professor aponta que mudanças sempre trazem algum desconforto, mas garante que a adaptação às novas diretrizes ocorreu de forma rápida nas instituições da região. Segundo ele, o acesso à rede de conexão permanece garantido por meio de tablets e laboratórios fixos e móveis disponíveis nas escolas.
“Nos faltam ainda dados estatísticos e um estudo mais aprofundado, no nosso NRE, para afirmar o quanto de ganho tivemos com a restrição do celular, mas novamente afirmo que a experiência prática dos professores, equipe pedagógica e direção, seus relatos, me levam a afirmar que o ganho foi significativo em atenção e participação dos estudantes, frente ao trabalho dos educadores”, comenta.
A mudança vista por professores e alunos
A nova diretriz impactou diretamente a dinâmica em sala de aula, especialmente para os professores que lidavam diariamente com a atenção dispersa. A professora de História, Letícia André dos Santos, vê o aparelho como uma ferramenta útil, mas destaca o risco da distração. “O uso do celular no ambiente escolar pode se tornar uma ferramenta pedagógica extremamente útil quando empregado de maneira adequada. No entanto, isso nem sempre acontecia”, explica.
Ela acrescenta que o fácil acesso a jogos e redes sociais era mais atraente do que o conteúdo apresentado pelo professor, comprometendo a atenção e o foco em sala de aula. Com a restrição, a professora Letícia, que dá aulas nos Colégios Maria Ignacia, de Rebouças, Luiza Rosa Zarpellon Pinto e Antônio Xavier da Silveira, de Irati, observou uma melhora significativa não só no aprendizado, mas também na interação. “A convivência entre os colegas também melhorou muito, eles passaram a interagir mais durante o recreio, formando rodas de conversa que antes eram substituídas por grupos dispersos.” Segundo ela, antes, cada um ficava concentrado em seu próprio aparelho.
O professor Carlos Canido, da disciplina de Educação Física no Colégio Estadual do Campo Nossa Senhora de Fátima, no Distrito do Guamirim, em Irati, relata que o controle do ambiente escolar era significativamente mais desafiador.
“Trabalho com adolescentes dos 12 aos 17 anos. O ambiente escolar, antes da restrição, era mais complicado, mais difícil, porque não tínhamos uma lei regulamentada para tirar o celular do aluno. E, quando o professor pedia, o aluno escondia ou dizia que não tinha levado à escola. Isso tomava um tempo muito grande da aula onde a gente tinha que estar chamando atenção e deixando de dar o conteúdo. Depois da proibição, melhorou bastante dentro da sala de aula”, compartilha o professor.
Canido observa que, em sua disciplina, não houve alteração na participação dos alunos, já que a maioria das aulas acontece na quadra ou em área externa, mantendo a dinâmica.
Para os estudantes, a adaptação foi gradual, conforme conta Emilly Letícia Cordeiro, aluna de 15 anos, do mesmo colégio. “No começo foi bem estranho, porque eu estava acostumada a olhar o celular toda hora. Parecia que faltava algo. Mas depois de alguns dias, eu me acostumei e percebi que nem fazia tanta falta assim durante as aulas”, relata a estudante.
Emilly conta que a mudança foi positiva para a interação e o foco. “A turma conversa mais entre si. Dentro da sala, parece que a galera está mais presente, mesmo que às vezes reclamem. Sem o celular, fica mais fácil focar no que o professor está explicando. Antes, qualquer notificação já tirava minha atenção e, agora, realmente consigo acompanhar”.
Já Vitória Santos de Andrade, aluna de 13 anos do Colégio Estadual Trajano Grácia, de Irati, notou a maior diferença durante o tempo livre. “A adaptação não foi muito difícil, mas o que deu mais diferença foi nos intervalos,” diz Vitória. Ela reconhece que a regra trouxe benefícios, mas vê potencial no uso pedagógico do aparelho.
“Há grandes diferenças também porque acho que os alunos estão mais focados nas aulas e socializam mais. Estou prestando mais atenção, porém o celular poderia ser usado como objeto de estudo, como fonte de pesquisa ou até para tirar fotos de matérias importantes”, sugere a estudante.
Impacto Familiar
A mãe Marlei Santos, apoia a medida e já percebe reflexos diretos nas notas da filha Vitória. “Achei bem importante que foi proibido, pois acredito que o celular tira a atenção e o foco, distrai facilmente. Por mais que possa ser usado para pesquisa, muitas vezes, acaba deixando mais fácil resolver questões e isso faz não usar o seu raciocínio, ter a sua opinião”, justifica Marlei.
Ela relata que a filha reclamou bastante no início da regra, mas logo se adaptou. O reflexo mais evidente para a família foi a melhora no desempenho escolar. “Notei diferença nas notas, algumas matérias que exigiam mais leitura, teve aumento de nota”. Além disso, Marlei notou mudanças no comportamento e na comunicação da filha.
“Ela está mais comunicativa, fala bastante do que acontece nas aulas, principalmente das aulas de Ciências. Cobro bastante dela estudar em casa e até de ficar muito no celular em casa. Quando faz prova, chega, me mostra e ainda diz: viu como não fico só no celular? Uso ele pra estudar também”, diverte-se a mãe da adolescente.
Os desafios nacionais: tédio e ansiedade
Apesar dos avanços no foco acadêmico, o levantamento nacional aponta que a ausência dos aparelhos não veio sem consequências. O estudo revela que quase metade dos alunos (44%) disse sentir mais tédio durante os intervalos e recreios. Paralelamente, cerca de metade dos professores (49%) relatou um aumento da ansiedade entre os alunos devido à falta do celular.
O desafio agora, conforme sugere o estudo nacional, é garantir que a restrição se torne uma política educacional duradoura, unindo foco acadêmico e bem-estar. Essa visão é compartilhada pelo chefe do NRE de Irati, que já reconhece a necessidade de se buscar dados mais aprofundados sobre o tema na região.
Fernanda Hraber

