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Autismo: "O diagnóstico é sim assustador, mas ele não é o fim de algo. É só uma nova rota que a família vai precisar seguir"

08/04/2025

Autismo: "O diagnóstico é sim assustador, mas ele não é o fim de algo. É só uma nova rota que a família vai precisar seguir"

A afirmação é da psicóloga Renata Andrade, que tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como parte da rotina de sua família há vários anos. Também convivem com os desafios do TEA,  a fonoaudióloga Karina Ramilo de Jesus, que é presidente da Associação TEAabraça, e muitas outras mães e pais, que buscam olhares mais empáticos e respeitosos para com os filhos

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A dificuldade em permanecer no ambiente escolar e o choro constante motivaram Renata Andrade a levar a filha Maria Sophia de Andrade de Souza a fazer psicoterapia, quando a menina tina 5 anos de idade e começou a ir para a escola. Após seis meses de psicoterapia veio a hipótese de autismo, que foi confirmada somente um ano depois, com a avaliação de vários profissionais, incluindo fonoaudiólogo e médico neuropediatra.

“Depois de um ano, o diagnóstico foi fechado. O ponto mais importante foi entendermos o funcionamento dela. Aprender a separar o que poderia ser uma birra infantil de uma crise sensorial. Aprendemos a aceitar as questões de seletividade alimentar, que é bem severa. Entendemos as questões do choro, que envolviam o excesso de barulho, contato com tecidos diferentes.  O diagnóstico nos ajudou a olhar para ela de uma forma mais acolhedora, além de buscar os tratamentos corretos”, explica a psicóloga Renata Andrade. Ela conta que ao compreender as diferenças sensoriais, a família passou a adaptar seus hábitos para que Maria Sophia de Andrade de Souza, que tinha seis anos de idade na época, vivesse melhor.

“Mudamos a forma como falamos (tom mais baixo e de forma mais direta entre todos). Mudou coisas que nem imaginávamos, como cozinhar com menos temperos, por conta da sensibilidade ao cheiro.  Quando vamos sair, a família precisa se organizar em antecipar tudo, ver se é possível voltar antes”, descreve a mãe da menina, atualmente com 13 anos.

Esta nova forma de agir para acolher a filha que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) é descrita por Renata como uma nova rota. “Acredito que algo que é importante sempre pontuar é que o diagnóstico é sim assustador, mas que ele não é o fim de algo. E só uma nova rota que a família vai precisar seguir”, afirma Renata, acrescentando que ao saber do TEA a família deixou de “viver no escuro”, e pôde entender as questões que poderiam desencadeariam crises.

Expectativas e transformações

Elaine Tais Ribeiro é a mãe do Matheus Henrique Bomfim, de 5 anos, e soube que o filho tem TEA quando ele tinha 2 anos de idade.  “Para nós não foi um diagnóstico fácil quando chegou, porque a gente tinha outras expectativas para o futuro dele. A minha pergunta para a médica era se o meu filho um dia ia casar, estudar, trabalhar. Como pai e mãe, a gente cria expectativas. Então, quando a gente recebeu esse diagnóstico, as nossas expectativas foram lá no chão. Mas a gente aceitou o diagnóstico do nosso filho e dia após dia fomos trabalhando para que ele fosse evoluindo dentro do espectro”, relembra Elaine.

Para isso, a família disponibiliza ao menino sessões de terapias com psicóloga, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional, além de equoterapia. Cabe à mãe acompanhar Matheus em todas estas atividades nos momentos em que ele não está na escola, pois o pai tem a profissão de caminhoneiro.

“A nossa vida atípica não é fácil. A nossa luta diariamente é por inclusão. A gente quer que eles sejam incluídos nas atividades da escola. Que eles sejam incluídos em uma conversa qualquer. Que as pessoas entendam que o jeitinho deles serem indiferentes é o único deles”, diz Elaine.

A expectativa de Karina Ramilo de Jesus, mãe do Heitor Ramiro de Jesus, 6 anos, e presidente da Associação TEAbraça, que reúne cerca de 100 famílias de Irati que possuem integrantes com TEA, é a mesma. “O que a gente enquanto mãe mais espera é que nossos filhos tenham, no futuro próximo, realmente um mundo inclusivo, onde eles sejam aceitos por quem eles são. Sejam respeitados nas suas limitações, sejam vistos e validados nas suas qualidades. E que realmente seja um mundo menos capacitista, mais empático e mais respeitoso”, defende Karina.

Ela conta que sua família vive o autismo 24 horas por dia. Está realmente comprometida em diminuir as dificuldades e oferecer o suporte para que o filho se desenvolva e seja mais funcional e mais social. Para isso, o esposo, o assistente administrativo Juliano Pereira de Jesus, a auxilia nos cuidados com o Heitor.

O pai conta que descobrir que o filho é autista levou-o a mudar completamente a forma de pensar. “Ele faz a gente ver o mundo de uma forma diferente, ser muito mais empático, ser muito mais acolhedor. Eu era cheio de preconceitos antes. Minha mente abriu de uma forma absurda. Hoje eu tenho muita, muita empatia pelas pessoas que tem alguém com deficiência, com uma necessidade especial na família. Então, eu diria, assim, que como pai, foi a experiência mais marcante da minha vida”, relata Juliano.

A dúvida sobre como o TEA influenciará o futuro de Heitor traz receios ao pai. São as mesmas incertezas de Elaine, mãe do Matheus, quanto à vida escolar, aos relacionamentos, ao mercado de trabalho.  Juliano pontua seus receios: “A preocupação se na escola ele vai ter um ensino de qualidade, que vá enaltecer as qualidades dele e ajudá-lo nas dificuldades, se ele vai ter espaço no mercado de trabalho, porque a gente sabe como que o mercado de trabalho já é competitivo por si só. Aí para uma pessoa com uma necessidade especial, ele é ainda mais agressivo, né? Então, quando ele for adulto, se ele vai ser bem acolhido onde for, se as pessoas vão compreender ele assim como compreendem hoje, quando ele é criança. As preocupações com coisas tão pequenas, como, por exemplo, será que quando ele for adolescente vai conseguir se relacionar com alguma menina, ter uma relação afetiva de namoro? Se ele vai conseguir casar”.

Dificuldades

Todas as famílias descrevem que levar os filhos para fazer as terapias que os auxiliam em seu desenvolvimento é uma das dificuldades do TEA. Porque requer bastante tempo e dedicação dos pais, além de demandar recursos financeiros, pois a maioria dos atendimentos acabam sendo feitos na rede particular de saúde.

“Infelizmente, a rede de saúde atualmente não tem proporcionado realmente intervenções que facilitam efetivamente o desenvolvimento da pessoa com TEA”, relata Karina, presidente da Associação TEAbraça. Na prática, as famílias não contam com o apoio do Sistema Único de Saúde (SUS) nem mesmo para o diagnóstico. “Infelizmente, no serviço de Saúde em Irati não se encontra disponível um neuropediatra para que realize a avaliação ou a validação dos pareceres da equipe multiprofissional para fechar esse diagnóstico. Então, o que a gente tem visto nas nossas famílias, que são assistidas pela associação, é que a maior parte desses diagnósticos é feita via planos, convênios ou particular, porque senão a fila é muito grande. Mais de dois anos uma criança esperando é tempo demais perdido”, diz Karina.

Ela explica que o diagnóstico precoce é importante porque quanto antes a criança tiver acesso aos tratamentos (psicoterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, equoterapia e outros) mais rápido os déficits vão sendo solucionados e há mais chances do aprendizado de habilidades e manutenção delas. Também há reduzindo a ansiedade e melhor inserção social, segundo ela. 

Rotina cansativa

Fazem parte da rotina de famílias atípicas: auxiliar em tarefas básicas, mostrar com figuras dispostas pela casa quais serão as atividades do dia – como ir para a escola ou para a igreja –, levar para as várias terapias, evitar aspectos que desencadeiem crises, cuidar com a alimentação e com fatores sensoriais, promover o tratamento de comorbidades. Tudo isso faz com que o dia a dia seja cansativo.  

“Não queremos viver um autismo romantizado, ele realmente traz muitas limitações, dificuldades para os nossos filhos. Viver com o TEA 24 horas por dia é cansativo, é exaustivo, porque a gente precisa realmente ter sempre uma rotina bem estabelecida”, cita Karina.

Elaine complementa: “A gente não tem uma vida muito normal, né? A nossa vida é totalmente atípica. A gente passa por julgamentos, a gente passa por momentos difíceis. O autismo tem altos e baixos. O meu filho passa por autismo regressivo de vez em quando, coisas que ele aprendeu ele acaba desaprendendo”.

Para enfrentar os desafios diários de cuidar dos filhos, pais e mães de autistas também precisam de suporte psicológico, como comenta Juliano. “Eu diria que 100% das famílias atípicas, que tem uma criança autista em casa, tem uma rotina cansativa demais e a gente não tem um apoio. Muito se fala em buscar terapias para as crianças, mas não se fala em dar um apoio psicológico para os pais. Um apoio matrimonial, porque o casamento fica comprometido, a gente não tem tempo de sair, não tem nem ânimo de sair, ir num restaurante, às vezes com medo que ele vá lá, se desregule. São muitos fatores que causam essa sobrecarga emocional nos pais”, relata Juliano.

Renata concorda que as famílias de autistas precisam de apoio. “A pessoa com TEA precisa de suporte em diversas áreas, pois é esse suporte que irá auxiliar no seu desenvolvimento e autonomia, mas os pais precisam da mesma forma, tanto para aceitar e compreender melhor o diagnóstico, mas também para lidar com as suas próprias questões, porque é uma realidade nova e que a cada momento muda”, diz Renata.

O que é o Transtorno do Espectro autista (TEA)?

De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde o Transtorno do Espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.

Sinais de alerta no neurodesenvolvimento da criança podem ser percebidos nos primeiros meses de vida, sendo o diagnóstico estabelecido por volta dos 2 a 3 anos de idade. A prevalência é maior no sexo masculino.

Associação TEAbraça auxilia autistas e familiares

 A Associação TEAbraça é uma entidade sem fins lucrativos, declarada de Utilidade Pública pela Câmara Municipal de Irati em 03 dezembro de 2024, que busca a inclusão de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). De acordo com a presidente, Karina Ramilo de Jesus:  “A associação tem como objetivo promover a informação e com isso, diminuir o preconceito. Também gerar a inclusão genuína de pessoas com TEA. Pelas suas dificuldades, as pessoas com transtorno do espectro autista não conseguem realizar muitas ações sociais, estarem em alguns meios e isso acaba diminuindo a qualidade de vida deles. Então, um dos objetivos da associação é criar realmente ambientes, situações em que eles possam estar em sociedade e vivenciar também dela”. 

Ao integrar as famílias de pessoas com TEA, proporciona o acolhimento e favorece a busca por direitos. “Através da associação, gera identificação pelas pessoas que estão passando pelas mesmas situações. Para além disso, a associação também fortalece a luta, mostrando as nossas demandas, mostrando quantos somos, quem nós somos, o que nós precisamos, através da busca pelos direitos, pelos seus recursos, para que as pessoas com autismo possam ser vistas, ouvidas, acolhidas e validadas”, define Karina.

Contatos

Os contatos da Associação TEAbraça são o telefone (42) 99819-5351 e o Instagram: @iratiteabraca

Caminhada

Neste sábado (05), a Associação TEAbraça realizará uma “Bliz em Conscientização do Autismo”, que será às 10h, na Rua Munhoz da Rocha (concentração ao lado do Banco Bradesco).

Letícia Torres

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