Alerta Black Friday e 13º: Golpes digitais crescem 314% com falsa venda e IA

Golpes disparam neste período, enquanto a Inteligência Artificial aprimora fraudes com clonagem de voz. Veja como funcionam as táticas criminosas e como reaver os valores junto aos bancos
Os últimos meses do ano, historicamente marcados pelo pagamento do 13º salário e pelas compras de Black Friday e Natal, transformaram-se em uma zona de risco extremo para o consumidor digital. A pressa por promoções e a distração comum das festividades são o combustível para o crescimento exponencial dos golpes virtuais, que atingem patamares alarmantes no país.
Conforme o mais recente levantamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o golpe da Falsa Venda – em que criminosos criam supostos e-commerces, enviam promoções inexistentes por e-mails e investem em perfis falsos em redes sociais – se consolidou como a maior ameaça. No primeiro semestre de 2025, foram 174 mil ocorrências de clientes relatadas aos bancos associados da Febraban, o que representa um aumento estarrecedor de 314% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O cenário de fraudes se completa com o golpe da Falsa Central/Falso Funcionário de Banco, que ocupa a segunda posição com 139 mil relatos, e o golpe do WhatsApp, que apesar de uma queda de 9,9% nas ocorrências, ainda atinge 73 mil vítimas, consolidando-se no terceiro lugar do ranking. A lista de golpes mais aplicados no semestre, que inclui ainda o Falso Investimento, Phishing, Falso Boleto, Troca de Cartão, Devolução de Empréstimo, Golpe da Mão Fantasma e Golpe do Delivery, reforça a urgência em educar o consumidor.
Se a pressa do consumidor é a principal aliada do golpista, a Inteligência Artificial é a nova ferramenta tecnológica que confere realismo e escala às tentativas de fraude. Lucas Tiago Bitencourt, Supervisor de Tecnologia da Informação, afirma que o avanço da IA tornou a enganação mais fácil, especialmente para pessoas menos informadas sobre o mundo digital.
“Um clássico golpe é o do falso sequestro ou do falso boleto de parente. Há anos, esse tipo de tentativa é utilizado, mas com o avanço da IA ficou ainda mais fácil enganar as pessoas, principalmente aquelas com pouca informação sobre tecnologia”, explica Bitencourt.
O Supervisor de TI detalha o modus operandi dos criminosos: eles utilizam rostos e vozes de parentes (ou até mesmo de figuras públicas) retirados das redes sociais para criar vídeos deepfakes pedindo dinheiro, resgates ou ajuda financeira urgente.
A facilidade em simular uma identidade confiável é o que mais choca as vítimas. É o caso de uma aposentada, que preferiu não se identificar, que caiu no golpe do WhatsApp.
“As mensagens eram tão convincentes que acreditei ser minha filha falando comigo com um número de telefone corporativo de seu trabalho, achei isso. Ela me pediu uma quantia em dinheiro para depositar e eu acabei fazendo isso. Me senti muito envergonhada depois que descobri que não era ela porque sempre me achei uma pessoa esclarecida e não verifiquei, de nenhuma forma simples e previsível, se poderia ser golpe,” lamenta ela, revelando a surpresa de ter sido vítima.
Bitencourt evidencia que, devido à alta qualidade e ao realismo que a IA oferece atualmente, muitas pessoas são levadas a acreditar nessas falsificações e acabam realizando transferências para os criminosos.
Impulso, pressa e a armadilha do e-commerce
Com a chegada das grandes liquidações, como a Black Friday, a busca por descontos torna o consumidor mais vulnerável ao impulso, o que é prontamente explorado no golpe da Falsa Venda.
“Quando vemos algo que queremos muito com um preço baixo em uma promoção, agimos por impulso e acabamos clicando em links maliciosos, sem prestar atenção aos detalhes do site”, adverte Lucas. Ele ressalta que a maior vulnerabilidade do usuário é, de fato, a pressa na tomada de decisão, detalhando que o perigo reside na desatenção à links estranhos, erros de digitação no nome da marca (typosquatting) ou no uso de e-mails com domínios diferentes da marca original.
O advogado, professor e coordenador do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade São Vicente de Irati, Paulo Fernando Pinheiro, detalha os aspectos legais de quando o golpe da Falsa Venda ocorre em plataformas de e-commerce. Ele explica que a responsabilidade do fornecedor tem fundamento tanto no Código Civil quanto, principalmente, no Código de Defesa do Consumidor (CDC), em que se aplicam as normas de proteção.
O advogado reforça que o canal de venda pode ser responsabilizado mesmo que o anúncio seja falso, argumentando que a Justiça considera a plataforma parte essencial da transação: “Mesmo que a plataforma de venda não tenha produzido o produto anunciado, se ela participar da venda – possibilitando a avaliação dos produtos, a comunicação entre comprador e vendedor e outras atividades inerentes a essa compra – ao veicular as ofertas, esse canal pode ser responsabilizado”. Pinheiro aponta que o consumidor está protegido contra a omissão de segurança das plataformas.
Golpes de natureza financeira, como a Falsa Central que são caracterizados por criminosos que se passam por funcionários do banco para obter dados, ou o Falso Boleto, que utiliza a identidade visual da instituição, têm um claro respaldo legal para o consumidor lesado.
“O entendimento dos tribunais é que a instituição deve ser responsabilizada em razão da falta de proteção das informações pessoais do cliente, em que os golpistas têm acesso ao número da agência, da conta, contrato e outras informações pessoais”, afirma o advogado. Ele lembra que esse entendimento já está consolidado e sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Pinheiro cita a Súmula 479, que estabelece que as instituições financeiras respondem objetivamente por furto interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros contra os seus clientes no âmbito das operações bancárias. Segundo o especialista, a responsabilidade do banco independe da culpa da instituição financeira. O consumidor tem um prazo de três anos para ajuizar um processo contra o banco e reaver os danos materiais sofridos pelo golpe.
A aposentada vítima do golpe do WhatsApp confirma que a intervenção bancária pode ser eficaz: “Hoje, tomo cuidado com tudo, pois já passei por situações de compras que não fiz com meu cartão de crédito, mas sempre o banco me ressarciu”, complementa ela.
O professor de Direito orienta que, ao desconfiar de fraude ou notar uma compra suspeita no cartão (Golpe da Troca de Cartão ou Falsa Central), o consumidor deve, imediatamente, se dirigir a uma delegacia de Polícia Civil para registrar um Boletim de Ocorrência. Em seguida, deve informar ao banco e à operadora do cartão solicitando o bloqueio imediato, reforçando a importância de sempre contestar as compras não reconhecidas e guardar o número de protocolo fornecido pela instituição.
“Sem muros, portas e janelas” no mundo digital
Para o advogado, o êxito dos golpes digitais é uma consequência direta da exposição que as vítimas têm no ambiente digital. Ele menciona que as falhas de segurança do usuário incluem postar informações excessivas em redes sociais, abrir mensagens que chegam em e-mails, SMS ou WhatsApp de fontes desconhecidas, não acompanhar as movimentações financeiras para detectar fraudes ou até mesmo deixar de comunicar o golpe à polícia.
Pinheiro faz uma metáfora sobre a desproteção na internet. “Junto com toda essa tecnologia que o ambiente digital nos proporciona, estão também as práticas criminosas e sua evolução na mesma velocidade que a tecnologia avança. Estamos mais desprotegidos do que imaginamos neste ambiente. É como se nossa casa não tivesse muros, portas e janelas. Estamos totalmente expostos”. Ele ressalta que a comunicação do golpe é essencial para que a polícia investigue e chegue até a autoria.
O Supervisor de TI, Lucas Bitencourt, resume o antídoto mais eficaz contra todas as formas de fraude, da Falsa Venda à clonagem por IA: “Na menor dúvida, a regra é desconfiar de tudo sempre e checar as fontes antes de tomar qualquer atitude”.
Como se defender ou agir após o golpe
A prevenção ainda é o melhor antídoto contra as fraudes digitais, mas saber agir após a ocorrência é fundamental para tentar reaver os valores. Siga as orientações dos especialistas:
1. Prevenção Rápida (antes de clicar)
- Desconfie do Preço: Se o valor do produto na Black Friday estiver muito abaixo da média do mercado, a chance de ser Falsa Venda é grande.
- Cheque os Detalhes: Verifique se o link do site tem erros de grafia, letras trocadas ou domínios estranhos. O impulso e a pressa são a maior vulnerabilidade.
- Verifique a Identidade: Jamais transfira dinheiro por WhatsApp ou PIX sem antes ligar para o contato real do parente (filho, cônjuge) e confirmar o pedido. A IA pode clonar voz e rosto, mas não o número de telefone original.
2. Ação Imediata (após a descoberta)
- B.O. Imediato: O primeiro passo, em caso de clonagem de cartão ou movimentação não autorizada, é registrar um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil.
- Comunique o Banco: Informe imediatamente a operadora do cartão ou o banco, solicitando o bloqueio da conta/cartão e contestando as compras ou transferências não reconhecidas.
- Guarde Provas: Guarde o número de protocolo de atendimento fornecido pela instituição financeira. Este documento é crucial para qualquer processo legal futuro.
3. Defesa Legal (se precisar acionar a Justiça)
- Prazo: O consumidor tem até três anos para ajuizar um processo contra a instituição financeira e buscar reaver os danos materiais sofridos pelo golpe.
- Responsabilidade do Banco: O banco responde objetivamente por fraudes e delitos praticados por terceiros contra seus clientes (Súmula 479 do STJ), ou seja, a responsabilidade de ressarcimento independe da culpa da instituição.
Fernanda Hraber

