Agentes funerários acompanham a dor das famílias que vivenciam a morte sem despedida | Hoje Centro Sul
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Agentes funerários acompanham a dor das famílias que vivenciam a morte sem despedida

Familiares, amigos, e os próprios profissionais que atuam no setor funerário não veem os corpos das vítimas de Covid-19. Esse tem sido um dos aspectos de difícil assimilação nas mortes decorrentes da contaminação pelo coronavírus

27/04/2021

Agentes funerários acompanham a dor das famílias que vivenciam a morte sem despedida

As funerárias trabalham para proporcionar uma despedida digna, pois o momento da morte é difícil por sua natureza. Durante os velórios, familiares e amigos podiam se reunir e compartilhar o último contato com o ente querido que falecesse. Entretanto, quando a causa da morte é Covid-19, ou suspeita da doença, isto não é possível. Nem os agentes funerários, nem os familiares veem o corpo.  

“A gente sempre quer fazer o melhor para as famílias e agora acabamos tendo que passar por isso de não deixar abrir o caixão. Quando o óbito é por Covid-19 o corpo sai do hospital lacrado no saco de remoção, é colocado na urna e lacrado para ser sepultado”, relata Edmilson José Ferreira Junior, proprietário da funerária Nossa Senhora da Luz de Irati.

Ele conta que muitas pessoas não aceitam a questão de não poderem se despedir do corpo, de não fazer um velório, o que as deixa abaladas. Com isso, mesmo tendo conhecimento a respeito dos protocolos de segurança, no momento da emoção acabam não aceitando esta dolorosa exigência.

Roseli Silva, proprietária da Funerária Irati, comenta que fica sem palavras em algumas situações. “Nós temos coração igual a todos, sofremos muito ao ter que dizer para uma pessoa que ela não pode ver seu parente pela última vez. Tem dias que vamos para casa acabados. O serviço funerário é muito importante para a sociedade, mas nós também somos humanos e sofremos com a dor do outro, ficamos sem palavras para consolar as famílias”, diz.

Nas mortes por Covid-19 a família reconhece o corpo por meio de foto e não há mais nenhum contato visual com o falecido a partir do momento em que o cadáver sai do hospital e passa para o serviço funerário. Isto  gera insegurança e torna ainda mais difícil a aceitação da morte, como frisa o proprietário da funerária Nossa Senhora da Luz. 

“As famílias ficam com o sentimento de saber: ‘Será que é mesmo meu familiar que está ali?’. Nem nós vemos o rosto, isso é o mais complicado dessas mortes. Existem também aqueles que são sepultados com suspeita de Covid-19, depois sai o resultado negativo do exame e vem a dor maior para a família, por não ter se despedido e feito um velório. As percas são sempre tristes, mas nesse momento estão ainda mais”, afirma Edmilson Júnior.

A psicóloga clínica Rafaela Maria Ferencz comenta a importância de o ser humano encerrar ciclos durante a vida.  Segundo ela, a perda de um ente querido sem poder se despedir em um funeral  faz com que este ciclo não seja encerrado por completo.  “Ver a pessoa pela última vez, dizer as últimas palavras, fazer uma oração, tocar e se despedir faz com que o ser humano entenda a situação e feche o ciclo de convivência e entenda que a partir dali existe uma separação”, explica a psicóloga.

A falta deste ritual de separação tem sido observada constantemente pelos agentes funerários. Eles presenciam a dor das pessoas ao se despedirem de alguém que amam e que entrou em um hospital devido aos efeitos da contaminação pelo coronavírus e que não pôde mais ser visto ou tocado. “Eu tenho acompanhado famílias que perderam entes queridos, que tiveram até que optar pela cremação. Sabemos que sozinhas essas famílias não se recuperam, elas têm que procurar ajuda com psicólogos, médicos, medicamentos e isso não é sinal de fraqueza, pois essa dor é insuportável”, enfatiza Roseli.

Sem o velório, a dificuldade de entender que aquela pessoa faleceu fica no inconsciente de muitos de acordo com psicóloga. Ela comenta que o velório faz parte do início do luto, que é um processo necessário para encerrar o ciclo de existência daquela pessoa na vida das demais. E deixar um ciclo incompleto pode gerar abalos psicológicos no futuro, pois a sensação de incompletude pode fazer com que o sofrimento seja maior. “No velório as pessoas conversam e falam da pessoa que partiu, esse processo é essencial para entender que aquela vida se encerrou, serve para confortar a si mesmo, e quando isso não acontece gera um sofrimento a mais”, destaca Rafaela.

A psicóloga orienta que as famílias que perderam ente queridos por Covid-19 organizem momentos de despedida simbólica. “Peguem fotos e digam as últimas palavras que não foram ditas, para poder encerrar de fato este ciclo. Conversem com os mais próximos para falar quem foi aquela pessoa, falar dela e fazer orações, e começar o processo de luto, que pode durar em torno de um ano. Isso vai ajudar muito a superar”.

E quando a morte acontece à noite?

O proprietário da funerária Nossa Senhora da Luz de Irati, Edmilson Junior, conta o que o protocolo determina quando acontece um óbito por Covid-19 à noite, fora do horário em que os sepultamentos são permitidos em  Irati.

“Quando acontece falecimentos durante a noite, que o sepultamento é no outro dia, temos o laboratório de preparação onde o corpo fica guardado lá até o dia seguinte. A urna permanece fechada, depois que sai do hospital não é mais aberta”, afirma Edmilson Junior.

Dificuldade para compra de caixões

Os proprietários das funerárias de Irati comentam que estão encontrando dificuldades na compra de urnas ou caixões devido à pandemia. Além do aumento no preço, a entrega  está mais demorada. Algumas fábricas dão prazos que variam entre 30 e 60 dias para a entrega das urnas funerárias, outras fábricas dizem não ter previsão de entrega, pois não estão conseguindo matéria prima para produzir dada à elevada demanda no País inteiro.

Em Irati, a funerária Nossa Senhora da Luz registrou aumento do número de mortes nos últimos dois meses, tanto pela Covid-19, como por outras causas.   “Nossa média de atendimento é de 20 a 30 óbitos por mês, em março atendemos mais de 50 pessoas”, relatou Edmilson Junior.

Para seguir os protocolos de segurança nos casos de morte por Covid-19  fez-se necessário o preparo com Equipamento de Proteção Individual (EPI), que antes não eram parte da realidade dos agentes funerários. Mais cuidados fazem parte das orientações da Vigilância em Saúde desde o momento da retirada do corpo até o sepultamento.

Os proprietários das funerárias contam que o custo de EPIs, como as luvas descartáveis, têm afetado seus orçamentos. Eles  relatam que a caixa de luvas descartáveis, por exemplo, antes da pandemia custava em torno de R$ 20,00 e atualmente está custando mais de R$ 100,00. Entretanto, afirmam que estes custos extras não têm sido integralmente repassados para os clientes. Os planos funerais, por exemplo, ainda têm os mesmos valores. Inclusive, em uma das empresas houve aumento da procura pelos planos desde o início da pandemia. 

Texto: Cibele Bilovus e Letícia Torres

Fotos: Letícia Torres/Hoje Centro Sul

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