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Pessoas que trabalham no cemitério contam suas experiências

Alguns trabalham limpando os túmulos, outros gerenciando o espaço, o que todos têm em comum é o local de trabalho: o Cemitério Municipal de Irati. Conheça um pouco mais sobre eles e a forma como encaram o trabalho

01/11/2019

Pessoas que trabalham no cemitério contam suas experiências

Dos seus 73 anos, 39 anos foram dedicados ao Cemitério Municipal de Irati. Iraci de Lurdes Silveira começou a trabalhar no local após passar num concurso. “Fiz o concurso, passei. Eu entrei no tempo do Toti, no primeiro mandato, e me colocou aqui”, conta.

Ela ficou cuidando do cemitério por 26 anos, até se aposentar. “No dia que me aposentei eu até chorei. ‘Pronto, não vou vir mais’. Mas os proprietários [dos túmulos] pegaram para limpar as capelinhas”, disse. Foi assim, com um sorriso no rosto, que Iraci, mais conhecida por Sula, seguiu os últimos 13 anos limpando os túmulos.

Todo mês, ela está lá. “O ano inteiro eu venho limpar. Eu gosto de trabalhar. Não gosto de ficar em casa. Tem aposentado que fica em casa, eu gosto de ganhar meu trocadinho”, relata. Os proprietários pagam de R$ 20 a R$ 50 para que ela cuide dos túmulos. “Passo nas capelas e vejo se está limpinho, com essas chuvas não fica limpo. Aí dou uma limpada por fora e pulo pra outra e assim vai”, conta alegre.

Para ela, o trabalho no cemitério é tranquilo. “Fico perto do túmulo da minha mãe e do meu pai, vou rezar. Eu gosto de ficar aqui. Me sinto tão feliz em trabalhar aqui. Os mortos não incomodam. Só dá medo dos vivos”, diz.

Avani Terezinha também trabalha no cemitério limpando os túmulos. Há 21 anos ela trabalha como diarista para uma família, que acabou a convidando para arrumar um dos túmulos. O boca a boca espalhou o serviço, e agora, a diarista acaba conseguindo ter renda extra na semana que antecede o Dia dos Finados. “Época do Finados é assim, me chamam pra limpar os túmulos, mas é fácil de achar, não é difícil. Aqui é bom de trabalhar, no cemitério. É tranquilo. Hoje limpei um túmulo. Essa semana, limpei três”, conta.

Para limpar cada túmulo, ela cobra R$ 60. E, segundo ela, limpa tudo, até dentro das capelas. “Não é ruim de limpar. É gostoso de limpar. Mas a gente fica com o sol comendo o miolo da gente”, relata sorridente.

Em uma de suas limpezas, ela conta que chega a apreciar a vista do Cemitério Municipal. “Estava trabalhando no túmulo ali embaixo. Eu subi ali em cima para limpar. Aí fiquei pensando: ‘Nossa! Que vista boa pro morto ficar olhando! Que vista bonita! Toda a serra’. A mulher que estava perto disse: ‘Credo! Tem coragem, fala uma coisa dessas’. Eu disse: ‘Não tem nada de mais. Morto não incomoda ninguém”, relembra.

Avani fala que gosta de limpar os túmulos. “Aqui eu gosto. É um lugar tranquilo. Tem paz”, disse.

Mas enquanto para uns, trabalhar no cemitério pode ser tranquilo e sereno, para outros, ver o sofrimento de perto é difícil. Isso acontece com o zelador Estevam Martins dos Santos, que trabalha há 25 anos no local. Ele faz limpeza, abre e fecha os portões no horário de visitas, atende a população e conduz o carrinho de cortejo fúnebre. “Para falar bem a verdade, eu já estou enjoado do trabalho, porque você vai guardando as coisas tristes. Você não chora porque não pode. Está aqui para trabalhar e não para chorar. De repente, estou aqui sozinho, sinto uma depressão. Às vezes quando estou bem sozinho, solitário, eu sento em um canto ali e choro sozinho ali, para o pessoal não ver”, conta.

Ele relata que uma das situações difíceis é quando uma criança morre. “O caso que mais me chocou foi de uma criança. Um dia antes de morrer estava brincando comigo no escritório, vendo os livros pretos. E no dia seguinte, soube que a criança morreu queimada. Foi muito triste. Guardo para mim até hoje, parece que estou vendo a criança. Isso já faz uns 12 anos. A morte de criança choca muito. Eu tenho uma neta com 6 anos, outro com um ano. Quando morre uma criança, a gente se coloca no lugar e lembra da família. Ninguém quer passar por isso”, disse.

Estar tão próximo da morte, o fez encarar a morte de um jeito diferente. “Temos que estar preparados. É muito ruim quando morre uma criança. Quando já é uma pessoa adulta, muitas vezes até a família já está preparada. Quando tem um caso mais trágico, a gente fica triste pela família também. Reflito todo dia, mas a gente sabe que a morte não é o fim, é o começo de outra vida”, comenta.

Cemitério Municipal de Irati

Ao todo, o Cemitério Municipal de Irati tem mais de 2.500 túmulos. Mais de 13.000 pessoas já foram sepultadas no local.

Devido ao espaço, em alguns túmulos podem ter até 15 pessoas de uma mesma família. “Em uma gaveta, se não tiver mais espaço, cabe uns 10 mortos. Depois de algum tempo as pessoas cabem em um saquinho plástico”, conta zelador Estevam Martins dos Santos.

O trabalho de retirada dos restos mortais é feito pelo pedreiro após receber permissão da Vigilância Sanitária. “O pedreiro tira normalmente. Muitas vezes, estão só os ossos, no arrastar o caixão já desmonta. Para quem não é do ramo, é uma cena nojenta, mas a gente já acostumou”, explica.

O mais procurado

Um dos túmulos mais procurados é de Albertina Nascimento. Para muitos, ela é considerada santa e muitos deixam agradecimentos por graças alcançadas. “Segundo rumores ela faz milagres. Por muitos é considerada uma santa. Acredito que a crença é pelo fato dela ter morrido dolorosamente, queimada, isso comove as pessoas. É o túmulo mais antigo que tem aqui, eu acredito. Não tem nada nos nossos livros sobre esse túmulo, não tem documento algum”, disse o zelador.

Texto: Karin Franco e Jonas Stefanechen

Fotos: Karin Franco e Jonas Stefanechen / Hoje Centro Sul

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