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Receio da denúncia faz com que casos de abuso sexual contra crianças não sejam registrados

13/06/2018

Receio da denúncia faz com que casos de abuso sexual contra crianças não sejam registrados

As meninas são as principais vítimas de abuso sexual de crianças e adolescentes na região. É o que mostra os dados da 8ª Companhia Independente da Polícia Militar. A polícia atendeu 12 casos,entre 2017 e 2018. Desses casos, 100% eram de vítimas do sexo feminino e mais de 66% desses casos envolviam meninas de 11 anos a 13 anos.

O número vai de encontro com os dados nacionais do Disque 100, um canal de denúncias anônimas do Governo Federal. Em 2017, 47,85% das vítimas de violência sexual contra crianças e adolescentes denunciados eram meninas. Ao todo, foram mais de 22 mil denúncias feitas somente em 2017.

Apesar dos números, especialistas contam que muitos casos são subnotificados, isto é, não são denunciados e as instituições não têm como registrar o real número.

O presidente do Conselho Tutelar de Irati, Ademir Carneiro, explica porque isso acontece. “Ainda as pessoas tem o receio da denúncia. Por mais que exista o Disque 100 e outros meios que podem acolher essa denúncia, ela não chega, ainda, por causa do receio de denunciar”, comenta.

Entre 2011 e 2017, 176 casos foram registrados pelo Conselho Tutelar de Irati. Para a psicóloga Rafaela Maria Ferencz,que atua no Centro de Referência em Assistência Social, CRAS,o número pode ser maior por diversos motivos, como a relação da vítima com o abusador e até mesmo a dificuldade de identificar o que é o abuso. “Primeiro que criança, às vezes, não sabe o que está acontecendo, até adolescente, às vezes não sabe o que está sendo abusado. Nós buscamos colocar o que é o abuso para crianças e adolescentes e eles verem que aquilo que estão passando é abuso”, disse a psicóloga.

Outro fator que dificulta a realização das denúncias é que, em muitos casos, os agressores são pessoas próximas ou da família. Um relatório da Unicef aponta que 90% das vítimas disseram que foram abusadas por um conhecido. “Em relação às crianças são pessoas próximas o pai, padrasto, tio, avô, um vizinho, um amigo da família. As pessoas tem a ideia de é alguém de fora e sempre é falado para as crianças tomarem cuidado com estranhos e em relação ao abuso sexual os dados mostram que os abusos acontecem com pessoas próximas. O que observamos é que é muito difícil a família acreditar, ela precisa de provas. Até porque no momento em que ela acredita, ela tem que romper a relação. Aquela pessoa que é da família pode ir presa, então é um sentimento muito confuso”, explica a psicóloga.

Por isso, ela aponta que o trabalho de prevenção é importante. “O trabalho de prevenção é essencial para evitar que aconteça, porque a partir que acontece, as rupturas, os conflitos, e o sofrimento é inevitável. Se a vítima denuncia, outras pessoas irão sofrer, e se ela não denuncia, só ela que irá sofrer”, alerta.

Perfil

Na região, os perfis encontrados pelos registros na Polícia Militar mostram que os abusadores em sua totalidade são homens. As idades variam até 67 anos, mas predomina a faixa etária dos 20 a 30 anos. No entanto há casos que também envolvem menores de idade. Um deles é o de abuso sexual em que o agressor tem 12 anos e a vítima, menos de 2 anos.

A psicóloga explica que em diversos casos, especialmente envolvendo menores, o agressor repete aquilo que já aconteceu com ele. “Isso acaba sendo um padrão, um ciclo. A pessoa que sofreu um abuso, ou viu um abuso, ou de alguma forma aquele tipo de relacionamento ou aquele tipo de agressão estava li em volta, e se não for tratado, tende-se a repetir. Muitas vezes, não sempre, mas aquela pessoa que abusa, ela viu isso acontecer ou passou por isso. Vemos homens em que o pai era abusador e o filho é abusador e continua o ciclo até se romper. Se rompe quando alguém denuncia e começa algum tratamento”, relata.

Rafaela enfatiza que para as crianças e adolescentes, o adulto é o exemplo e que determinados comportamentos dos adultos, podem ter alguma influencia mais tarde. Isso explicaria casos de agressores que são jovens e até menores de idade. “Às vezes, não existe um abuso, mas tem uma objetificação da mulher muito grande. Do pai colocar a mulher como objeto, para o filho homem, que acontece muito ainda. Aos poucos estamos tendo uma mudança em relação a isso. Mais ainda acontece”, diz.

Convívio Conjugal

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que qualquer relação com menores de 14 anos é configurada como estupro de vulnerável, um crime que pode levar à prisão. No entanto, em diversos lugares o convívio conjugal entre menores de 14 anos e maiores de 18 anos ainda é um hábito comum para muitas pessoas.

Somente entre 2017 e 2018, três casos foram atendidos na região. Em um deles, um homem de 28 anos convivia com uma menina de 11 anos, em Inácio Martins. Segundo registro, a menina estava grávida quando o caso foi revelado.

O presidente do Conselho Tutelar de Irati conta que em diversos casos a família concorda com essa relação. “Às vezes, o próprio pai, ou mãe ou responsável não entende. Acha que está tudo certo”, disse. Para ele, é responsabilidade dos pais ou responsável a orientação de que aquela criança ou adolescente tem um futuro maior.

Contudo, ele revela que para muitas crianças e adolescentes esse convívio conjugal é um meio de escapar de uma violência doméstica. “Temos pego situações e identificamos que para refúgio, ela acaba encontrando um rapaz, uma pessoa que simplesmente deu uma atenção. Ela então embarca e em seis meses vê que não é aquilo, e começa outro tipo de conflito: o pai querer buscar a adolescente, o companheiro começar a ameaçar. A menina fica naquele processo: ‘Não volto pra casa porque o meu companheiro ameaça o pai ou a mãe. Se fico aqui, sofro violência e meu pai quer me tirar daqui’”, conta.

O grande problema, segundo a psicóloga, é que quando o caso vai ao Judiciário, não há muito o que se fazer. “O Judiciário se vê em um beco, porque o quê fazer? A menina está grávida e vai prender o pai da criança? Então acaba sendo uma redução dos danos”, relata.

Em outros casos, o relacionamento com uma pessoa mais velha acaba servindo de fuga de uma situação de pobreza. “Tem um caso de uma menina de 13 anos grávida, o pai de 20 e poucos anos. A família era extremamente vulnerável, extremamente pobre, de ninguém ter um trabalho, e ele trabalha, ele poderia cuidar melhor dela do que a família. Então como você faz? Você tem que reduzir depois que acontece”, disse.

Rafaela destaca que este tipo de relacionamento é abusivo, já que o homem é mais velho. Outro fator, é que nesses relacionamentos muitas meninas acabam sendo pressionadas a ter relações sexuais, o que acarreta em outro fator comum. “Meninas adolescentes grávidas, em torno de 20%, o pai é adolescente. Na maioria, o pai tem 20, 30, 40 anos. Não é adolescente”, explica.

Por isso, ela destaca que o caminho ideal é a prevenção e a conscientização sobre o assunto com as meninas. Rafaela conta que fez um trabalho de prevenção recentemente que ajudou a esclarecer muitos pontos com meninas de 12 a 14 anos. “Em março, fizemos um trabalho com as meninas adolescentes de duas escolas e eu conversei muito em cima disso com elas. Inclusive, sobre o conceito que tem em muitas músicas da ‘novinha’ porque é uma objetificação dessas meninas e que muitas vezes essas músicas que eles escutam falam até de abuso, de estupro. Foi muito legal essa conversa, porque elas trouxeram casos de amigas em que homens mais velhos se aproximam das ‘novinhas’ e aí coloquei para elas uma questão, que às vezes as meninas não pensam: essa menina de 13, 14 anos que esse homem mais velho, de 20, 30 ou até mesmo 40 anos, está se aproximando não é a primeira novinha dele. Ele já teve quantas novinhas até chegar nela?”, diz.

“No Brasil ainda falta buscar estratégias para lidar com isso.Mas no momento a melhor estratégia é a prevenção e conversar sobre esse assunto”, destaca a psicóloga.

Como denunciar

Disque 100 – denúncia gratuita e anônima

Polícia Militar – 190

Conselho Tutelar – (42) 3907-3125 ou (42) 99133-2698 (plantão)

Como falar com os filhos

A psicóloga Rafaela Maria Ferenczdá da algumas dicas aos pais:

- Fique de olho nas crianças menores. Crianças nas faixas de 5 anos são as principais vítimas.

- Oriente sobre quais são as partes intimas e que ninguém pode tocar, além do pai ou da mãe, apenas no momento do banho para higienização.

- Oriente a criança de que ninguém pode tocar nela de um jeito que ela não gosta

- Procure conversar com a criança para estreitar os laços. Saber o dia a dia na escola, do que ela brincou, o que fez na casa do amigo, em seu cotidiano.

Escola

A escola é apontada como um dos principais meios para se trabalhar a prevenção em casos de abuso sexual. Segundo Ademir, além da ajuda no reconhecimento de situações de violência, é na escola que a criança pode se sentir segura para denunciar. “A escola é grande parceira para a criança se expressar livremente”, comenta.

Em Irati, a Rede de Proteção e Enfrentamento às Violências conta com o mascote Super D que transmite às crianças, de uma forma lúdica e em uma linguagem adequada à idade, informações sobre os direitos que elas possuem. Através de teatros feitos pelo CRAS e pelo CREAS, as crianças recebem as informações que ajudam com que a situação seja combatida.

Para a psicóloga, a escolha da escola é importante. “A escola hoje atinge todo mundo. ‘Ah, mas não é papel da escola’. Mas é na escola que estão todas as crianças, todos os adolescentes, antes de saírem da escola, então tem que começar bem cedo”, destaca. Ela ainda ressalta que é necessária uma atenção às crianças mais novas, porque a evasão escolar começa já partir dos 13 e 14 anos.

Texto: Karin Franco/Hoje Centro Sul

Foto: 1 e 4- Pixabay

         2, 3 e 5-Free Imagens

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