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Irati teve 16 suicídios registrados em 2017. Como identificar e ajudar quem pode vir a tirar a própria vida

O número de suicídios têm aumentado todos os anos no Brasil. Em Irati, um trabalho de orientação e prevenção vem sendo feito no CRAS da Lagoa depois que um jovem do bairro se suicidou e amigos sentiram-se culpados

14/03/2018

Irati teve 16 suicídios registrados em 2017. Como identificar e ajudar quem pode vir a tirar a própria vida

Você já se perguntou o que está por trás do comportamento suicida? Que mensagem existencial se esconde neste ato ou que desejos esta pessoa desistiu de realizar?

A Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertam para este grave problema de saúde pública, responsável por uma morte a cada 40 segundos no mundo.

De acordo com a OMS, o Brasil é o 4° país com maior crescimento de casos de suicídio na América Latina, com um aumento de 10,4% na última década, e sendo o líder, em números absolutos, destes casos. Os dados são de um relatório divulgado pela entidade em 2014. Na cidade de Irati, cerca de dezesseis pessoas se suicidaram no ano de 2017.

Entre os fatores de risco associados com o suicídio estão: transtornos mentais, como depressão, bipolaridade, esquizofrenia; situações como isolamento ou vulnerabilidade social, desemprego, migrantes; questões psicológicas, como perdas recentes, problemas na dinâmica familiar; e condições clínicas incapacitantes, como lesões desfigurastes, dor crônica e câncer. Por outro lado, o uso de drogas, principalmente cocaína e álcool, aumenta a impulsividade e, com isso, o risco de suicídio.

Rafaela Maria Ferencz é psicóloga e desenvolve um trabalho de prevenção ao suicídio no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) da Lagoa de Irati. “A gente iniciou um trabalho de prevenção em janeiro, quando ocorreu um caso aqui na Lagoa, um jovem de dezenove anos se suicidou, ele morava bem do lado do CRAS. Ele tinha se mudado há dois meses e cometeu suicídio dois dias antes de completar vinte anos”, relata.

Esse caso fez com que o suicídio fosse abordado com mais frequência na instituição. “Abalou muitas pessoas aqui do bairro. Cada suicídio acaba afetando todos que estão em sua volta, a família, os conhecidos e a gente sentiu bastante esse baque nas pessoas, resolvemos então começar a trabalhar um pouquinho sobre esse assunto”, explica a psicóloga.

Ela conta que muitos jovens que frequentam o lugar conheciam o menino. “Vários adolescentes que vêm ao CRAS conheciam esse jovem e ficaram abalados, a gente sentiu o quanto eles ficaram surpresos com o que aconteceu, porque eles não esperavam, muitos estavam se sentindo culpados, com aquele sentimento de que poderiam ter feito alguma coisa, mas não sabiam o que fazer”, diz.

O tema suicídio não é abordado com tanta frequência, como deveria, e isso faz com que as pessoas não saibam como agir diante dessa situação. “Esse tema não é trabalhado, muitas vezes a pessoa não sabe como pode ajudar, não sabe que muitas vezes aquela pessoa que está falando que vai se matar, que fala certas coisas, que tem certos comportamentos realmente pode vir a se matar. Geralmente as pessoas acham que é da boca pra fora”, explica Rafaela.

Atividades lúdicas foram feitas para abordar o assunto dentro do CRAS. “Então começamos um trabalho.Em janeiro, fizemos algumas tardes de brincadeiras para chamar o pessoal aqui para o CRAS, nessa atividade vieram muitas pessoas e a gente pôde conversar sobre a importância de cuidar da saúde mental. Buscar fazer amizades, de cuidar da pessoa que a gente gosta, de olhar quando a pessoa não está bem, de saber onde procurar ajuda”, comenta.

 

Como identificar uma pessoa que tem pensamento suicida?

Quando uma pessoa tem a intenção de tirar a própria vida ela dá algumas pistas. “Na maioria dos casos éa depressão, você pode identificar por alguns comportamentos que ela tem: a pessoa fica muito em casa, tem poucos relacionamentos, não se sente motivada para fazer atividades normais do dia a dia, como estudar, trabalhar, se divertir, fica mais retraída. Em relação ao suicídio, a pessoa sempre dá sinal, fala muitas vezes abertamente que quer se matar, fala coisas do tipo:‘seria bom se eu dormisse pra sempre’, ‘eu queria sumir’, ‘seria melhor desaparecer’, ‘todos ficariam melhor sem mim’, e aquele sentimento mesmo de dor tão profundo que a morte parece a melhor saída para a pessoa”, explica Rafaela.

Essa dor pode vir por diferentes fatores. A psicóloga comenta que é necessário procurar ajuda. “A gente não tem como julgar aquela dor da pessoa, dizer que é frescura ou que está exagerando,isso acontece muito.Muitas pessoas não procuram ajuda porque falam que aquilo que está falando é frescura ou está exagerando”, comenta, acrescentando que um profissional da área de saúde é quem pode fazer uma avaliação do caso.

A análise do comportamento da pessoa é fundamental para constatar se a pessoa pode chegar a tomar a atitude de tirar a própria vida. “Se a pessoa está mais retraída, a pessoa fica muito dentro de casa,a pessoa usa droga, bebe muito, tem um comportamento mais de falta de cuidado, porque quando você às vezes usa uma droga, usa uma bebida, você já está tentando colocar a sua vida em risco, então tem que ficar atento às pessoas que dãoesses sinais”, destaca a psicóloga.

O jovem que foi comentado acima deu sinais meses antes do acontecido. “No caso desse jovem, ele fez um novoFacebookem setembro, excluiu o que ele tinha antes, e nesse Facebooksó tinha coisas sobre morte, só desenhos, figuras de pessoas se enforcando, a gente precisa ficar atento. Por isso, os amigos dele ficaram com esses sentimento de culpa, por ver ele postando essas coisas e acharem que era normal, porque não sabiam o que poderia acontecer.Fica muito aquele sentimento que poderiam ter evitado, ficaram se sentindo tão mal que pensavam nisso também,por isso é muito grave a questão do suicídio”, conta Rafaela.

Para se aprofundar sobre o assunto, a psicóloga realizou pesquisas para entender mais sobre o caso. “A gente tem dados, hoje morrem muito mais pessoas que comentem suicídio do que pessoas que têm AIDS. Aqui em Irati o número está muito alto, só no ano passadoforam dezesseis casos,é mais de um por mês”, fala surpresa com o a constatação.

Como ajudar uma pessoa com esse tipo de pensamento?

É possível identificar a pessoa que está com esse sentimento, porém é importante ficar atento a alguns fatores. “Em primeiro lugar você tem que acolher aquela dor da pessoa, não julgar, não dizer que é frescura, não dizer que é exagero, não pedir para ela não falar mais sobre isso, porque parece que se eu tocar no assunto, eu vou incentivar, e na verdade não, as pessoas ficam com medo de conversar sobre isso”, explica a psicóloga.

Atenção redobrada quando a pessoa mostrar que quer desaparecer de alguma forma. É importante ouvir as queixas de indivíduos com depressão. “A pessoa fala que quer se matar, que quer dormir pra sempre, aí eu desconverso, eu fujo desse assunto, é o que acontece bastante. As pessoas têm medo de que conversando sobre isso vão incentivar, mas na verdade é o contrário”, afirma a profissional. Ela orienta familiares e amigos a colocarem-se à disposição de ouvir, de perguntar porque a pessoa está pensando em sumir,de perguntar se aconteceu alguma coisa, do porquê da pessoa estar falando aquilo. Também sugere que questionem se tem alguma coisa que poderiam fazer pela pessoa e de perguntar se a pessoa já procurou ajuda para falar sobre isso.

Junto com a conversa e a preocupação, é necessário procurar um profissional capacitado nessa área, que será a melhor pessoa para indicar o tratamento adequado. “É importante procurar alguém que trabalhe nessa área, que entenda sobre isso, porque é uma questão de saúde.Ninguém tem vergonha de falar que está com dor de estômago, ninguém tem vergonha de falar que está com uma perna quebrada, ninguém tem vergonha de falar que está com qualquer problema de saúde, mas tem vergonha e não consegue falar quando está com problemas relacionados à saúde mental, transtornos, manias e depressão”, destaca Rafaela.

Saúde mental ainda é tabu

Ainda existe muito preconceito relacionado à saúde mental, as pessoas não se sentem bem com esse assunto. “As pessoas tem vergonha de falar que vão a um psiquiatra. Todo mundo precisa cuidar da saúde metal, hoje a gente está em um ritmo de cuidar do físico, se a gente pensar há trinta anos quantas academias existiam? Hoje tem academias em cada esquina e isso é ótimo, pois cuidar da saúde física é cuidar da saúde mental também”, diz a psicóloga.

Rafaela frisa que é muito importante cuidar da saúde mental. “A questão mental é muito séria, a gente cuida tanto do nosso corpo, hoje a gente pensa na alimentação, no exercício físico, mas temos que pensar na nossa saúde mental, cuidar dos nossos sentimentos, do nosso comportamento”, finaliza.

Escolha o que te faz feliz

Para Rafaela, o importante na vida é fazer o que se gosta, o que lhe dá prazer. “O bom da vida é fazer o que você gosta, ficar com as pessoas que você ama, buscar uma profissão que te faça feliz. Hoje a sociedade está muito naquilo de eu preciso ter isso, preciso ter aquilo, às vezes vai trabalhar com algo que não gosta para ganhar mais dinheiro e acaba ficando doente”, comenta.

Nos dias de hoje existem muitos casos de pessoas que foram em busca de um trabalho em que ganhariam mais e perderamqualidade de vida, Rafaela comenta sobre um caso. “Por exemplo, um senhor que trabalhava em um sítio, ele amava trabalhar no sítio, mas ganhava muito pouco. Aí ele conseguiu um emprego em uma indústria, era supervisor de toda uma equipe, e em qualquer erro poderia alguém se machucar ou até mesmo morrer. Então ele ficou dois, três anos com toda aquela pressão em cima dele, de que ele não poderia errar, e isso desenvolveu nele o transtorno de pânico, transtorno de ansiedade, e agora ele está com depressão também. Então, veja como é importante olhar para aquilo que nos faz felizes, às vezes ele ganhava menos, mas era mais feliz. Em consequência da sua escolha, o homem não consegue mais trabalhar e nem andar na rua”, conta.

CVV

O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo de forma voluntária todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo.

A partir de 30 de junho, o Paraná integrará a lista dos estados que possuirão ligações gratuitas pelo número 188.

Atualmente, pode-se entrar em contato:

- Por telefone (24 horas): discando 141 – ligação sujeita a cobrança;

- Por chat, email, chat e voip: Acesse o site www.cvv.org.br e escolha a opção;

Texto: Silmara Andrade/Hoje Centro Sul

Foto: Karin Franco/Hoje Centro Sul

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